A França volta às urnas neste domingo, 7, para referendar ou rejeitar que a extrema direita chegue ao poder pela primeira vez desde a ocupação nazista na Segunda Guerra Mundial.
O desafio, nesta rodada final das eleições legislativas antecipadas do país, é impedir que o Reunião Nacional (RN) alcance a maioria absoluta – ou seja, o número mínimo de 289 assentos no Parlamento exigidos para que um partido forme governo – e, assim, indique o novo primeiro-ministro francês.
No primeiro turno, no último domingo, 30, o Reunião Nacional, partido de extrema direita de Marine Le Pen, conquistou a maioria dos votos: 33% deles. A Nova Frente Popular, um grande bloco de partidos de esquerda, ficou em segundo lugar, com 28% dos votos, e o bloco centrista do presidente francês, Emmanuel Macron, terminou em terceiro lugar, com 20% dos votos.
Embora o RN tenha mantido o favoritismo nas pesquisas de intenção de voto feitas ao longo desta semana, o cenário agora é mais complexo que o do primeiro turno: sob a sombra da vitória esmagadora da centro-esquerda no país vizinho, o Reino Unido, na quinta-feira, 4, a extrema direita também terá de enfrentar uma possível aliança entre o centro, do presidente Emmanuel Macron, e o grande bloco dos partidos de esquerda.
Esquerda e centro desenham o cordão sanitário contra a extrema direita desde a semana passada, quando Macron propôs aliança. A união, na prática, daria a esse novo grupo a maioria no Parlamento, o que, na França, garante o direito de nomear um primeiro-ministro.
Embora ainda não tenham batido o martelo sobre a união, líderes do bloco esquerdista indicaram que poderiam se aliar ao centro com esse objetivo — apesar das pautas distantes e até opostas em muitas questões de ambos.
Ao longo da semana, mais de 200 candidatos centristas e de esquerda desistiram das disputas para aumentar as chances de seus rivais moderados e tentar impedir que candidatos da extrema direita vencessem. O cordão sanitário também ganhou apoio de celebridades como o ex-jogador Raí e Mbappé, o capitão da Seleção Francesa.
De acordo com as principais pesquisas de intenção de voto divulgadas nesta semana, o número de assentos do bloco da esquerda e do centro seria suficiente para garantir uma maioria absoluta, de 289 cadeiras no Parlamento francês, e, assim, indicar um primeiro-ministro. Mas há incertezas em relação à participação dos eleitores. Essa possibilidade pode impedir que Macron tenha de governar em uma situação no mínimo desconfortável: ao lado de um premiê opositor.
Pelo sistema político da França, semipresidencialista, o primeiro-ministro, indicado pelo partido ou coalizão que conquiste maioria no Parlamento, governa em conjunto com o presidente – este eleito em eleições presidenciais diretas e separadas das legislativas e que, na prática, é quem ganha mais protagonismo à frente do governo.
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Eleitora pega as cédulas antes de votar no segundo turno das eleições legislativas da França (Foto: AP Photo/Jean-Francois Badias)
No cenário de os dois serem de lados opostos, forma-se o chamado governo de coabitação. Nesse modelo, o presidente mantém o papel de chefe de estado e da política externa – a Constituição diz que ele negocia também tratados internacionais – , mas perderia o poder de definir a política doméstica e de nomear ministros, o que ficaria a cargo do primeiro-ministro. Isso aconteceu pela última vez em 1997, quando o presidente de centro-direita, Jacques Chirac, dissolveu o Parlamento pensando que ganharia uma maioria mais forte, mas, inesperadamente, perdeu o controle da Casa para uma coalizão de esquerda liderada pelo partido socialista.
Caso a extrema direita ganhe, Macron teria de nomear um adversário, o jovem líder do RN, Jordan Bardella, de 28 anos, para o cargo de primeiro-ministro – se optar por não fazê-lo, ele pode ser alvo de uma Moção de Censura, um recurso do Legislativo no qual deputados votam se querem mantê-lo ou não no cargo. As eleições legislativas da França foram convocadas antecipadamente no início de junho pelo presidente francês. Diante do resultado ruim do seu partido e do avanço da extrema direita nas eleições para o Parlamento europeu – o Legislativo de todos os países da União Europeia, com sede em Bruxelas – , Macron tomou a arriscada e surpreendente decisão de dissolver o Legislativo francês e marcar uma nova votação.
Com as eleições em tempo recorde, os candidatos tiveram também apenas três semanas de campanha, marcadas pelo discurso de ódio. O ministro do Interior francês, Gérald Darmanin, disse que o seu ministério registrou 51 ataques verbais e físicos contra candidatos.
Darmanin disse que 30 mil policiais serão destacados no domingo, incluindo cinco mil na região de Paris, para garantir que os resultados das eleições “sejam respeitados, sejam eles quais forem”. Ele disse que as reuniões fora da Assembleia Nacional, a câmara baixa do parlamento, foram proibidas.
Trajetória da extrema direita na França
Desde que foi fundado, em 1972, e por mais de três décadas, o partido francês de extrema direita Frente Nacional foi um nanico. Teve de esperar 14 anos para conseguir chegar ao Parlamento francês e chegou a emplacar um candidato no segundo turno das eleições presidenciais – seu fundador, Jean-Marie Le Pen.
Ainda assim, a extrema direita na França continuou à margem da política e vista como pária. As coisas só começaram a mudar junto da chegada de um novo nome no partido, que em 2018 passou a se chamar Reunião Nacional – já sob comando de sua atual secretária-geral, Marine Le Pen. Filha do fundador, ela assumiu, após o pai ser expulso da própria sigla, por conta de discursos antissemitas, e foi moderando o discurso para ampliar o espectro de seu eleitorado. Mas foi só com a geração das redes sociais que a sigla conseguiu dar um salto e se tornar o partido favorito para governar o país – o RN ficou em primeiro lugar no primeiro turno das eleições legislativas na França, realizado no domingo, 30. O segundo turno acontece em 7 de julho.
O atual candidato da sigla para ser o primeiro-ministro, Jordan Bardella, é uma das chaves do bom momento do partido: com apenas 28 anos e discurso mais duro que o de Marine Le Pen. Bardella é conhecido por sua desenvoltura e forte apelo nas redes sociais – no TikTok, tem 1,8 milhão de seguidores e alguns de seus vídeos chegam a ter quase cinco milhões de visualizações.
Bardella: mais radical
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Linha do tempo da ascensão da extrema direita na França (Foto: Equipe de arte/g1)
Embora a moderação de Marine Le Pen em comparação a seu pai tenha ajudado a tornar o partido mais popular, o discurso de Bardella não segue esse roteiro. O jovem político é mais radical que sua tutora em uma série de pautas da extrema direita, principalmente a imigração.
Nos últimos anos, Marine Le Pen vem deixando para trás pautas polêmicas que ela mesma defendia no início da sua carreira política, como posturas xenófobas, proximidade com o governo russo e discurso favorável à saída da França da União Europeia.
Le Pen abandonou também posturas racistas e antissemitas de seu pai, mas manteve pautas anti-imigração. Ela já sugeriu a retirada do apoio da França à Ucrânia na guerra e o abandono a políticas para amenizar o impacto do carbono, com mais incentivos a indústrias francesas. Essa moderação do discurso foi uma tática adotada por Le Pen, principalmente depois de perder as eleições para o então novato Emmanuel Macron, em 2017, com uma forte rejeição no segundo turno – repetindo o que aconteceu com seu pai, que em 2002 foi esmagado por Jacques Chirac no segundo turno das eleições presidenciais.
Além de tentar romper com a trajetória do seu pai, Marine Le Pen também investiu em outra estratégia: a profissionalização dos políticos do seu partido com treinamentos de mídia e assessores especializados em redes sociais.
Dessa estratégia surgiu o nome de Bardella, que com apenas 26 anos foi nomeado presidente do partido.
Bardella também busca marcar distância das ideias de Jean-Marie Le Pen. Mas não economiza nos discursos anti-imigração e também de negação do aquecimento global. Já acusou os migrantes de fazerem a França desaparecer e disse que é preciso contê-los, caso contrário “a nossa civilização morrerá”.
Na última composição do Parlamento francês, dissolvido no início de julho por Emmanuel Macron, o RN tinha 88 dos 577 deputados da Casa. É preciso aos menos 289 assentos para garantir a maioria absoluta.
Fonte: Notícias ao Minuto