Após eventos climáticos extremos destruírem parte da malha rodoviária do Rio Grande do Sul, o ministro dos Transportes, Renan Filho, pretende liberar em 20 dias todas as estradas interditadas no estado.
Diante das catástrofes climáticas cada vez mais recorrentes, o ministro defende obras de infraestrutura mais resilientes e sustentáveis e afirma que a ampliação das ferrovias no país é uma prioridade do governo.
Segundo ele, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva avalia atuar em três frentes para enfrentar possíveis futuros eventos climáticos no Sul do Brasil: contenção das águas que descem da serra, aumento da capacidade de drenagem da Lagoa dos Patos e fortalecimento do sistema de diques do estado.
Renan Filho será um dos painelistas do Summit Mobilidade Estadão, que acontece nesta terça-feira, 28, das 8 às 19 horas, na Casa das Caldeiras, em São Paulo. O evento também contará com as presenças do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), e do prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB).
Em entrevista ao Estadão, Renan Filho defendeu o modelo de concessões que deve ser impulsionado por sua pasta e afirmou que recursos privados são fundamentais para garantir a evolução do setor.
O Ministério dos Transportes anunciou cerca de R$1 bilhão para recuperar as estradas destruídas pelas chuvas no Rio Grande do Sul. Como será usado esse dinheiro?
Na verdade, é R$1,2 bilhão, aproximadamente. Ele está sendo usado para, primeiro, reabertura, limpeza e identificação de todos os impactos nas rodovias. E também será usado para reconstrução das rodovias que foram danificadas, inclusive duas pontes que foram severamente danificadas e que terão de ser reconstruídas, além de muitos trechos de rodovias. Mas esses recursos são tanto para as obras emergenciais quanto para as obras estruturantes. As pontes que vão ser reconstruídas são sobre o Rio Caí, na BR-116, próximo à cidade de Caxias do Sul, e a outra é próxima à cidade de Santa Maria, na BR-287, a ponte sobre o Rio Toropi.
O recurso será todo empregado neste ano?
A expectativa é de que a gente empregue a maior parte dele. Todo talvez não seja possível em virtude do próprio prazo das obras. Mas a gente espera aplicá-lo todo este ano. Além deste recurso, a gente já tinha para as obras estruturantes no Rio Grande do Sul R$1,8 bilhão. Então, somado a esse R$1,2 bilhão para reconstrução, teremos R$3 bilhões. Assim, temos uma disponibilidade de recurso suficiente para promover a reconstrução das rodovias federais do estado.
O senhor assumiu o Ministério dos Transportes tendo como meta fortalecer a pronta resposta para emergências, como afundamentos, incêndios e calamidades. O que deu errado no Rio Grande do Sul?
O que nós tivemos é que no Rio Grande do Sul houve duas BRs extremamente afetadas – a BR-470 e a BR-116. Mas elas vão ser reconstruídas com esse recurso. Tanto que o recurso que foi destinado para a emergência é, inclusive, inferior ao próprio recurso que tinha sido destinado, ordinariamente, para o ano. Então, a gente percebe, até por isso, que não foi toda a malha rodoviária que foi destruída. Foi uma parte da malha rodoviária relativamente pequena, inclusive. Tivemos 120 pontos de interrupção nas rodovias federais e estamos apenas com dez agora, menos de um mês após o desastre. Daqui a pouquinho a gente não vai ter nenhum ponto de interrupção. A gente espera nesses próximos 20 dias estar sem nenhum ponto de interrupção, apenas as duas pontes. Provavelmente, precisaremos instalar ponte provisória para permitir a travessia do rio enquanto reconstruímos as pontes. A reconstrução definitiva vai durar seis meses, porque, para reconstruir, precisa de tempo. Mas, para não deixar a passagem interrompida, a gente vai instalar uma ponte provisória.
Além da reconstrução de estradas, que outras alternativas estão sendo analisadas pelo ministério, levando em conta o cenário cada vez mais grave das mudanças climáticas?
Cada vez mais, o país precisa construir obras mais resilientes, levando em consideração intempéries climáticas mais extremadas. A gente tem feito isso para as obras do Ministério dos Transportes. E para o Rio Grande do Sul, de maneira geral, por conta dessa catástrofe, o governo federal, não somente no Ministério dos Transportes, mas numa coordenação inclusive da Casa Civil, onde todos os ministérios estão participando, está estudando a possibilidade de conter as águas ainda na serra, porque elas estão descendo muito rapidamente, em virtude da pressão das matas ciliares, da ocupação de encostas. Isso, além de acelerar a descida da água, leva muito risco às pessoas. Inclusive muitas pessoas perderam a vida nessas chuvas por lá. Além de verificar quais são as possibilidades de conter água na serra, duas outras providências estão sendo estudadas. Uma é verificar como ampliar a drenagem da Lagoa dos Patos em período de muita chuva, porque ela não baixa de nível, porque drena muito devagar para o oceano. E a terceira é um estudo amplo para o pleno funcionamento dos diques de proteção das cidades, que falharam. Então, essas três providências – conter água na serra, drenar mais rápido as águas da Lagoa dos Patos e o funcionamento pleno dos diques – são fundamentais para evitar catástrofes no Rio Grande do Sul. Agora, no Brasil todo é importante ter obras mais resilientes, que levem em consideração as intempéries climáticas mais extremadas. Isso exige investimento maior também, que é sempre um desafio, porque já tem o desafio de poucos recursos para as obras necessárias. Mas são dificuldades que precisam ser enfrentadas.
Além das rodovias, quais os planos do ministério para ampliar a capacidade de transporte do país, levando em consideração outras alternativas que sejam mais sustentáveis?
Todas as nossas obras levam em consideração as mudanças climáticas, inclusive vamos alterar alguns projetos no Rio Grande do Sul, justamente pelo nível que a água atingiu, que foi o máximo histórico. Então, a gente sempre utiliza todos esses parâmetros nas obras que fazemos. Agora, o fundamental é que nós ampliamos a capacidade de investimento do país. Primeiro, ampliamos em recursos públicos os investimentos com sustentabilidade fiscal garantida por meio do arcabouço fiscal, que está investindo bem mais do que os governos anteriores. Isso é importante, porque amplia a resposta às necessidades da infraestrutura e, por outro lado, estamos também ampliando a atração do investimento privado. A gente espera este ano fazer dez leilões de concessão. E isso vai ajudar a atrair mais investimentos privados. O terceiro ponto muito importante é a otimização dos contratos que estavam em desequilíbrio. Com isso, a gente vai também ampliar os investimentos privados. Isso vai garantir que obras que estavam paradas há anos possam ser retomadas. Somando essas três coisas vai significar um volume bem maior de investimento em infraestrutura e isso vai garantir melhoria nas estradas.
Mas há alguma modalidade de transporte, como o ferroviário, que pretendem incentivar?
No caso do transporte ferroviário, temos seis linhas no PAC para transporte de pessoas. Estamos trabalhando para levar a leilão seis linhas e em carga estamos com vários investimentos em andamento. Também estamos finalizando a revisão das renovações antecipadas das ferrovias, que vão possibilitar o reforço no investimento ferroviário no país, especialmente para cargas. Nas áreas urbanas, o Brasil, especialmente nas grandes cidades, tem instrumentos muito importantes de transporte ferroviário. Somos um país continental, não é tão simples colocar de pé um investimento privado em ferrovia para transporte de pessoas sem a participação do investimento público. Como o Brasil viveu um ambiente de restrição fiscal elevado ao longo dos últimos anos, isso não foi enfrentado. Estamos trabalhando para ampliar os investimentos em ferrovias para deixar esse tipo de investimento viável. Tanto pelas mudanças climáticas quanto pela possibilidade de incrementar o transporte regional no Brasil, além de veículos, aviões e também trens. Esse é um desejo, mas para isso precisa ampliar o investimento público, porque transporte regional a trem não se sustenta apenas com o investimento privado, infelizmente.
Mas com a melhora do cenário fiscal, isso é uma das prioridades da pasta?
Sim, é prioridade, já está no novo PAC. A gente está estudando, por exemplo, Brasília a Luziânia, que é uma possibilidade de fazer uma conexão ferroviária. A gente está estudando conexões do Sul do Brasil com São Paulo. Tem conexões no Nordeste também, justamente para tentar incrementar o transporte ferroviário de pessoas no Brasil, que é um desejo do cidadão e nosso também. Mas as condições fiscais sempre se colocam como desafio, principalmente em investimentos em infraestrutura. No governo Dilma [Rousseff], discutia-se o trem-bala em São Paulo. Aquela obra é R$50 bilhões; então, é sempre um constrangimento falar disso, porque, ao mesmo tempo, você precisa equilibrar as condições fiscais. Não adianta dizer que vai fazer se as condições fiscais não permitem.
A gente deseja ampliar investimento em ferrovias para fazer leilões. Vamos imaginar que uma ferrovia custe R$10 bilhões, quanto o governo federal precisa colocar para o privado fazer o investimento? Vamos dizer que o governo federal tope colocar R$3 bilhões; a gente vai levar a leilão aqueles R$3 bilhões e quem exigir o menor aporte público ganha o direito de fazer a ferrovia. Mas, para isso, a gente tem que ter esse dinheiro. Esses recursos virão da revisão das renovações antecipadas de ferrovia. Já fizemos dois acordos com a Rumo e a MRS; estamos finalizando o acordo com a Vale; esperamos utilizar esses recursos para ampliar o modo ferroviário no Brasil.
A Rodovia Régis Bittencourt, no trecho de Taboão da Serra, foi municipalizada este ano. Especialistas e o Ministério Público questionam a eficácia da medida para o trânsito local e a mobilidade urbana. Por que o Ministério dos Transportes optou pela transferência de um trecho da rodovia para o município?
O ministério municipaliza muitas rodovias federais que estão colocadas em área urbana, porque não é o papel de uma rodovia federal dialogar com as necessidades da área urbana da cidade. Por exemplo, naquela rodovia de Taboão, precisa ser feita uma macrodrenagem. Macrodrenagem é obra municipal, não é obra federal. Além disso, tem vários semáforos instalados ao longo dela. O funcionamento dos semáforos obviamente interfere no trânsito, mas a administração dos semáforos também é municipal. Além disso, quando uma rodovia federal passa dentro da cidade, é importante que ela tenha calçada, que ela tenha ciclofaixa, que ela preveja o que está acontecendo no ambiente de crescimento imobiliário da cidade. Então, tudo isso são agendas muito mais próximas do município do que do governo federal. Por isso, a providência da municipalização é usual, feita por todos os governos, e é sempre a melhor saída, principalmente quando a cidade consegue fazer alguns investimentos como Taboão vai fazer. É uma solução ágil e racional, à luz dos investimentos que os municípios precisam fazer.
O senhor já afirmou que o plano é fazer 35 concessões de rodovias até o fim do governo. O presidente Lula é um crítico das privatizações. Por que, então, conceder essas rodovias à iniciativa privada?
Isso vai ser o maior volume de concessões da história, porque no governo do presidente Lula, além de a gente ampliar os investimentos públicos, mas eles têm um limite que é dado pelas condições fiscais do país, [queremos aumentar investimentos privados]. O governo garantiu no ano de 2023 três vezes mais recursos do que em 2022. Neste ano de 2024, de novo. Então, a gente tem mais investimentos públicos, mas, para atender a necessidade da nossa infraestrutura, a gente precisa também intensificar os investimentos privados. O governo passado fez seis leilões apenas, a gente deseja fazer 35. Só esse ano vão ser entre dez e 12; então, isso demonstra o esforço que o governo está fazendo para ampliar os leilões, a fim de atrair mais investimentos privados para as rodovias.
Privatização não é igual concessão. Concessão é uma cessão daquela rodovia por 30 anos, em que o privado vai fazer o investimento e vai cobrar de quem trafega na rodovia num local em que o público não consegue fazer sozinho. O presidente não é contra isso. Ao contrário, é a favor. Ele sempre fez em todos os governos dele; a presidente Dilma também fez. Nunca foram contra isso. Há uma confusão entre privatização e concessão. Privatização vai vender o patrimônio público ao privado. Isso é uma coisa. A gente não está vendendo. A gente está concedendo, mas, ao conceder, ele vai fazer um investimento que é duplicar rodovia, construir um viaduto, melhorar a infraestrutura e agilizar a vida das pessoas. Porque, se for fazer só com recurso público, não vai dar. Vai engarrafar tudo, vai ampliar emissões, não vai ter condições de fazer obras resilientes. O recurso público é finito; então, na infraestrutura, o presidente usa o caminho de somar esforços de recursos públicos com recursos privados.
Fonte: Notícias ao Minuto e Estadão