Os quatro grupos políticos do centro-esquerda no Parlamento Europeu subscreveram esta quarta-feira uma declaração conjunta a apelar aos partidos democráticos – na prática um apelo ao Partido Popular Europeu (PPE) que não quis assinar o texto – para que rejeitem “qualquer normalização, cooperação ou aliança com partidos de extrema-direita e radicais”. Um apelo, a um mês de a maioria dos 400 milhões de eleitores europeus irem às urnas para eleger os 720 eurodeputados, diante das sondagens que apontam para a subida dos dois blocos da extrema-direita.
As eleições europeias começam a 6 de junho, com a votação nos Países Baixos, e decorrem até 9 de junho, quando a maior parte dos países vai a votos – incluindo Portugal. Na República Checa e em Itália os eleitores têm dois dias para votar, mas em todos os outros países a eleição decorre num só dia. Na noite de 9 de junho, deve ficar clara qual será a composição do novo Parlamento Europeu e quem serão os 720 deputados (mais 15 do que atualmente) – a Alemanha é o país que elege mais representantes (96), com Chipre, Luxemburgo e Malta a elegerem cada um seis ( o número mais pequeno). Os novos eurodeputados aprovam depois o nome proposto pelo Conselho Europeu para a presidência da Comissão Europeia.
As sondagens dão a vitória global ao PPE, tal como em 2019, mas com um crescimento das formações de extrema-direita – tanto dos Reformistas e Conservadores Europeus (ERC), como do Identidade e Democracia (ID). Juntos podem ter mais votos do que a Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas (S&D, o maior grupo no centro-esquerda), havendo sondagens que os colocam, respetivamente, como terceira e quarta força política. Além de S&D, os Verdes e os liberais do Renew Europe estão em queda. A Esquerda, na sondagem da Europe Elects de abril, escapa a essa tendência.
Ontem, os líderes parlamentares do S&D, do Renew, dos Verdes e da Esquerda divulgaram uma declaração conjunta “em defesa da democracia”, após uma iniciativa da presidente da bancada socialista, Iratxe García Pérez. É a resposta aos ataques de alegados apoiantes de extrema-direita contra alguns candidatos – entre eles o eurodeputado socialista alemão Matthias Ecke, que foi espancado no fim de semana quando colava cartazes em Dresden -, assim como declarações recentes de responsáveis do PPE, a começar pela própria presidente da Comissão Europeia, a alemã Ursula von der Leyen.
“Para as nossas famílias políticas, não há qualquer ambiguidade: nunca cooperaremos nem formaremos uma coligação com os partidos de extrema-direita e radicais, seja a que nível for”, diz a declaração conjunta, exortando todos os partidos democráticos europeus a “incluir formal e inequivocamente nos seus manifestos eleitorais e declarações partidárias” a rejeição de um acordo com os partidos da extrema-direita e radicais.
O PPE rejeitou assinar a declaração conjunta, com um porta-voz do grupo parlamentar a dizer à Euronews que tinham sido propostas “mudanças concretas e razoáveis” ao texto que foram “rejeitadas” pelo S&D, com os socialistas a responder que o objetivo das mudanças propostas eram “descafeinar”a extrema-direita.
O alvo do apelo é o PPE, que volta a apostar em Von der Leyen para liderar a Comissão Europeia. A spitzenkandidat (nome que se dá aos candidatos dos diferentes grupos políticos ao cargo máximo da União Europeia) disse, no primeiro debate, que não afasta acordos com a extrema-direita. “Depende muito da composição do Parlamento e de quem formar parte de cada grupo.” Von der Leyen, apesar de atacar muitas vezes a ID (ao qual pertence a Alternativa para a Alemanha, AfD, por exemplo), não tem tido a mesma posição com o ERC, que inclui o Lei e Justiça (PiS) polaco, os Irmãos de Itália de Giorgia Meloni ou o Vox espanhol.
A verdade é que os dois grupos não defendem o mesmo, havendo quem aposte nesta divisão da extrema-direita para dizer que é pouco provável que venha a definir a agenda da União Europeia depois de junho. O European Council on Foreign Relations, num relatório baseado nas sondagens de março, fala em “divisões importantes entre os antieuropeus no que respeita ao apoio à Ucrânia”, por exemplo, entre os que “apoiam veementemente” Kiev e os que “acreditam que a Europa deve pressionar a Ucrânia no sentido de uma solução negociada com a Rússia”. Há ainda outras divisões que respeita à importância da migração como questão política e à permanência dos países na União Europeia.
Estas eleições prometem também ser um desafio em matéria de desinformação, com a própria Comissão a lançar uma campanha a alertar para o problema, assim como para a manipulação da informação e a ingerência estrangeira. Von der Leyen denunciou ontem, no X (antigo Twitter), um ataque informático contra o site oficial da sua campanha. O caso não é único, com candidatos franceses – tanto à direita como à esquerda – a denunciar ações semelhantes e tentativas de desinformação. O socialista francês, François-Xavier Bellamy, apontou o dedo a um grupo com alegadas ligações à China, num momento em que o presidente chinês, Xi Jinping, era recebido pelo presidente Emmanuel Macron.
As alegadas tentativas de interferência chinesas também foram destapadas na detenção de um dos assessores do eurodeputado Maximilian Krah, principal candidato da AfD na Alemanha, que levaram a buscas no seu gabinete no Parlamento Europeu. E há também notícias da suposta interferência russa, com as autoridades belgas a investigar supostos grupos que estão a querer favorecer candidatos pró-Rússia, numa tentativa de enfraquecer o apoio europeu à Ucrânia.
Autor: susana.f.salvador@dn.pt