Não foi um ataque em força, como o que o Irão lançou contra Israel há uma semana (usou mais de 300 drones e mísseis), mas uma mensagem contida que poderá travar (por enquanto) a escalada da violência na região. A suposta resposta israelita (não houve qualquer reivindicação oficial de Telavive) terá sido com um ataque a, pelo menos, uma base aérea em Isfahan. Teerão alegou que nada foi destruído e que as explosões que se ouviram na cidade foram as defesas antiaéreas a abater os drones inimigos. A desvalorização do impacto da alegada ação israelita, mesmo que possam ter sido atingidos alvos importantes, permite aos iranianos afastar o cenário de uma eventual retaliação. Mas não é claro se a resposta de Israel já está completa.
Por causa do silêncio oficial israelita e da desvalorização e secretismo do lado iraniano, não é claro o que aconteceu na madrugada de sexta-feira. Pelo menos três explosões terão ocorrido perto da base militar de Shekari, do Aeroporto de Isfahan e da cidade de Qahjavarestan, no centro do Irão. Dois oficiais norte-americanos (e foram os EUA a apontar o dedo a Israel desde o primeiro momento) disseram à CBS que teria sido um ataque com um míssil, enquanto outra fonte dos EUA falou à ABC de três mísseis que tinham como alvo o radar que ajuda a proteger a central de enriquecimento de urânio de Natanz.
Contudo, os media iranianos indicaram que as explosões foram as defesas antiaéreas a funcionar e a derrubar vários drones. Estes veículos aéreos não-tripulados terão sido também intercetados na cidade de Tabriz, no norte do Irão. Imagens de satélite, analisadas pela CNN, não mostram danos significativos na Base Militar de Shekari, que teria sido um dos alvos. Mais tarde, o chefe da diplomacia de Teerão, Hossein Amirabdollahian, disse que os apoiantes do “regime sionista” tentaram transformar uma “derrota numa vitória”, mas insistindo que os mini-drones não causaram danos ou vítimas.
Oficiais iranianos disseram ao jornal The New York Times que terão sido usados pequenos drones explosivos, tal como já aconteceu no passado (apesar de Israel raramente admitir a responsabilidade destas ações). Em janeiro de 2023, por exemplo, pelo menos três drones atingiram uma fábrica de armas em Isfahan. Teerão alegou então que os danos foram reduzidos, limitados ao telhado, mas segundo o Jerusalem Post os danos foram mais graves.
Segundo as mesmas fontes do The New York Times, os drones terão sido lançados do interior do Irão, já que os sistemas de radares não detetaram incursões no espaço aéreo do país. Apontar o dedo a “infiltrados” e desvalorizar o impacto do ataque permite ao regime iraniano afastar a necessidade de uma retaliação. “A origem estrangeira do incidente não foi confirmada. Não fomos alvo de um ataque externo e a discussão inclina-se mais para uma infiltração do que um ataque”, disse à Reuters um oficial iraniano.
Ao diário The Washington Post, um responsável israelita confirmou sob anonimato o ataque, dizendo que o objetivo era “enviar a mensagem ao Irão de que Israel tem a capacidade de atingir alvos dentro do país”. Outro oficial falou num ataque “cuidadosamente calibrado”. Se no Irão houve protestos contra Israel após o ataque, em Israel também se ouviram críticas, até de membros do próprio Governo.
O ministro da Segurança Nacional, Itamar Ben-Gvir, da extrema-direita, criticou a resposta fraca, sendo por seu lado atacado pelo líder da oposição, Yair Lapid. “Um ministro do Gabinete de Segurança nunca causou danos tão graves à segurança, à imagem e à posição internacional do país. Com uma mensagem imperdoável de uma palavra, Ben-Gvir conseguiu ridicularizar e envergonhar Israel desde Teerão até Washington. Qualquer outro primeiro-ministro tê-lo-ia lançado para fora do Executivo esta manhã”, escreveu no X.
A nível internacional, repetiram-se os apelos à contenção, tal como nos últimos dias. O Ocidente apostou nas sanções contra o Irão, nomeadamente o seu programa de drones, para responder ao ataque sem precedentes do fim de semana contra Israel (em retaliação do bombardeamento contra o consulado iraniano em Damasco no início do mês). A ideia era tentar evitar que o Governo israelita respondesse também em força.
O centro do nuclear iraniano
Uma das hipótese em cima da mesa era atacar as instalações nucleares iranianas. Teerão ameaçou, ainda na quinta-feira, rever a sua “doutrina nuclear” caso isso acontecesse, deixando entender que avançaria para o desenvolvimento de armas nucleares. O ataque de sexta-feira não foi contra as instalações nucleares, mas foi suficientemente perto para dizer que estas poderiam ter sido atacadas.
O ataque da madrugada teve como alvo pelo menos uma base militar em Isfahan, a terceira maior cidade do Irão que está também diretamente ligada ao programa nuclear iraniano. O Centro de Tecnologia Nuclear de Isfahan é o maior do Irão, empregando cerca de três mil cientistas, sendo que no norte da região fica a central de enriquecimento de urânio de Natanz. Em abril de 2021, o Irão acusou Israel de estar por trás de uma explosão nesta central, danificando duas das centrifugadoras.
“A Agência Internacional de Energia Atómica pode confirmar que não há qualquer dano nas instalações nucleares do Irão”, anunciou a organização na rede social X, após os ataques. O diretor-geral da AIEA, Rafael Mariano Grossi, “continua a apelar à extrema contenção de todos e reitera que as instalações nucleares nunca devem ser um alvo em conflitos militares”, acrescentava, explicando estar a monitorizar “de muito perto” a situação.
O programa nuclear iraniano começou a ser desenvolvido durante o regime do xá Reza Pahlavi, que assinou o Tratado de Não-Proliferação em 1970. O xá foi derrubado na Revolução de 1979 e, nos anos 1980, o país começou secretamente a enriquecer urânio – após comprar equipamento ao Paquistão e à China. O próximo passo foi o desenvolvimento de uma arma nuclear, com o Ocidente a responder com sanções.
Em 2015, o Irão assinou junto com os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas e a Alemanha o acordo nuclear. Este previa o aliviar das sanções, com Teerão a aceitar em troca reduzir o enriquecimento de urânio a 3,67% (um nível insuficiente para desenvolver armas nucleares, mas suficiente para o programa de energia nuclear e para pesquisa científica). Aceitaram ainda inspeções da AIEA. Em 2018, o então presidente dos EUA, Donald Trump, rasgou o acordo, com o Irão a responder aumentando o enriquecimento de urânio (já estará nos 60%) e a dificultar a monitorização da AIEA.
Autor: susana.f.salvador@dn.pt