Super Terça-Feira vai confirmar Biden e Trump como candidatos presidenciais

É um dos dias mais importantes do processo de nomeação nos partidos norte-americanos, mas este ano servirá apenas para confirmar o que já sabemos.

Quando as urnas abrirem em 15 estados norte-americanos esta terça-feira, haverá duas certezas: uma é que Joe Biden e Donald Trump vão ser confirmados como candidatos dos partidos democrata e republicano, respectivamente. A outra é que não haverá enchentes de eleitores entusiasmados para colocar cruzinhas nos boletins de voto.

É que esta Super Terça-Feira, ao contrário de ciclos eleitorais anteriores, não tem corridas disputadas de um lado ou do outro. A designação Super Tuesday, que remonta aos anos setenta, descreve a terça-feira em março em que 15 estados organizam eleições primárias para determinar candidatos presidenciais. Desta vez, Joe Biden não tem opositores a sério e Donald Trump está a larga distância da única candidata que permanece depois de uma dúzia de republicanos terem desistido, Nikki Haley. Embora tenha vencido a sua primeira primária este domingo em Washington D.C., conseguindo 19 delegados, não há caminho viável para a nomeação. Tal como não há para Marianne Williamson ou Dean Philips no campo democrata. Os votos dos eleitores que vão esta terça-feira às urnas servirão para confirmar Biden e Trump como candidatos e tirar a temperatura ao pulso do eleitorado. Na Califórnia, também irão decidir o que acontece ao lugar do Senado deixado vago por Dianne Feinstein, que morreu em setembro passado.

“Não há coisas muito emocionantes para dizer sobre esta Super Tuesday”, disse ao DN Daniela Melo, cientista política que leciona na Universidade de Boston. “Eu gostava de ver aqui uma surpresa ou outra.” Para já, vai ser apenas um jogo de números que é preciso cumprir.

O que está em jogo

Os candidatos à nomeação presidencial pelos dois principais partidos – Democrata e Republicano – recebem delegados conforme vão vencendo as primárias estaduais. Quem conseguir mais delegados recebe a nomeação e representa o partido nas presidenciais de 5 de novembro. Pelos republicanos, vai à frente Donald Trump e apenas Nikki Haley continua na corrida. Pelo partido democrata, vai à frente Joe Biden e continuam a desafiá-lo Marianne Williamson e Dean Philips.

Esta terça-feira é o dia em que mais delegados serão entregues aos candidatos vencedores. Estão em causa 1420 delegados para os democratas e 854 delegados para os republicanos. As primárias vão acontecer em simultâneo em 15 estados e um território: Alabama, Arcansas, Califórnia, Colorado, Iowa, Maine, Massachusetts, Minnesota, Carolina do Norte, Oklahoma, Tennessee, Texas, Utah, Vermont, Virginia e Samoa americana.

No Iowa, votam apenas os democratas num processo de voto preferencial. Nos outros estados, ambos os partidos têm primárias.

Há também cinco estados onde a ida às urnas inclui eleições para cargos locais e estaduais – Alabama, Arcansas, Califórnia, Carolina do Norte e Texas.

Na Califórnia, a decisão será entre os quatro principais candidatos ao Senado: Adam Schiff, Barbara Lee e Katie Porter (democratas) e Steve Garvey (republicano). Os dois mais votados seguirão em frente para competir em novembro, ao mesmo tempo que decorrem as eleições presidenciais. Neste momento, vai à frente o congressista Adam Schiff.

Como estão as sondagens

Donald Trump lidera o campo republicano com 76,7% das intenções de voto entre os eleitores do partido, segundo o agregado nacional da plataforma FiveThrityEight. Nikki Haley tem 15,1%. Mas estas percentagens oscilam conforme os Estados. Por exemplo, no Massachusetts Trump tem 65,5% e Haley 28,7%. Uma coisa é certa: o ex-presidente está praticamente dado como nomeado do partido. As únicas dúvidas prendem-se com os julgamentos criminais a que será sujeito – e que podem implicar penas de prisão – e não com o seu domínio nas primárias.

Do lado democrata, não se pode considerar que tenha havido uma competição real, como não costuma haver quando um presidente incumbente se recandidata. No panorama nacional, Biden tem 75,5% das intenções de voto contra 7,9% de Dean Philips. A grande dúvida que resta é se eleitores descontentes noutros estados vão tentar seguir o exemplo do Michigan e votar “não comprometido” em vez de optar por um dos candidatos.

Essa foi a maior história das primárias democratas até agora. Mais de 100 mil eleitores do Michigan votaram “não comprometido” a 27 de fevereiro, de forma a protestar contra a forma como Joe Biden tem apoiado Israel na guerra com o Hamas. “O Michigan é um estado que se vai ganhar ou perder por algumas dezenas de milhares de votos. Se calhar até só por alguns milhares de votos”, frisou Daniela Melo. Se eleitores de outros estados seguirem o exemplo esta terça-feira, Biden terá de lidar com uma onda de protestos que põe em causa a sua coligação para novembro.

Do outro lado, o desempenho de Trump no Michigan também levantou questões. Embora tenha vencido facilmente o estado, Nikki Haley obteve 300 mil votos, mostrando uma fatia grande do eleitorado republicano que rejeitou o ex-presidente.

“Há realmente um número considerável de eleitores da Haley que não ponderam votar em Trump”, sublinhou Melo. “Ou seja, Trump tem um problema sério para novembro. Tem um desafio muito grande pela frente.”

Daniela Melo: “Há um ano Trump não parecia inevitável”

Daniela Melo é professora de ciência política na Universidade de Boston e não espera grandes surpresas da votação na Super Tuesday deste ciclo eleitoral. Ainda assim, aponta para alguns elementos a que devemos estar atentos e podem ajudar a perceber o rumo deste combate presidencial – que, tudo indica, será uma repetição de Joe Biden contra Donald Trump, os dois candidatos mais velhos de sempre a ocupar a Casa Branca.

O que é que torna a Super Terça-feira importante no processo das primárias? 

É o dia em que mais Estados vão a votos. É um número muito elevado de Estados, 15, com imensos delegados – entre eles está, por exemplo, a Califórnia – e os resultados determinam a distribuição de delegados. É mais ou menos um terço do total, uma fatia muito grande que é distribuída num só dia. Geralmente, os resultados da Super Tuesday já nos dizem muito sobre quem será o nomeado por cada partido.

E já é assim há muito tempo? 

Já há décadas que a Super Tuesday existe, assim chamada desde os anos 70. Cada partido decide por que ordem vai cada Estado e historicamente houve grandes mudanças. Em geral, isso tinha a ver com querer influenciar a escolha do presidente. Ou seja, se quem vai primeiro são os estados conservadores ou menos conservadores, mais alinhados com certos assuntos ou menos.

Porque é que este ano não há tanto furor? No histórico recente houve primárias em que a Super Terça-feira foi decisiva. O próprio Biden não tinha a nomeação assegurada quando lá chegou em 2020.

Não assegurada nem de perto. Ele ainda não tinha ganho em nenhum Estado até chegar à Super Tuesday. Foi a sua grande vitória na Carolina do Sul que realmente o relançou como o candidato que tinha mais potencial para vencer a nomeação. A Super Tuesday é mais animada quando há muitos candidatos e é absolutamente decisiva, presta-se muito mais atenção do que quando temos um incumbente. Neste caso, temos quase dois incumbentes. Por um lado temos um incumbente, por outro temos um ex-presidente que acredita que devia ser incumbente.
Então o que é que está em jogo desta vez, não havendo o mesmo nível de incerteza que em anos anteriores?
Não está muito em jogo, para ser honesta. As sondagens que temos mostram que, do lado republicano, Trump continua a liderar. A única surpresa que poderá haver é se Haley surpreender em alguns estados e conseguir ganhá-los – uma Califórnia ou Massachusetts. Mas parece bastante improvável dadas as sondagens que temos até agora.

Como é que ela poderia fazer isso?

A melhor esperança que Haley tem é de formar a mesma coligação que conseguiu em New Hampshire nalguns dos Estados que permitem que os eleitores independentes votem. Temos vários Estados onde os eleitores independentes podem chegar às urnas e escolher se querem o boletim democrata ou o republicano e votarem em quem quiserem. Portanto, há mais probabilidades de reunir aquela mesma coligação de independentes, de conservadores moderados, de democratas mais conservadores que conseguiu em New Hampshire. Ela tem trabalhado incansavelmente e vai continuar a viajar, a saltar de estado em estado.

Esta Super Tuesday é o tudo ou nada dela?

Provavelmente, mas não sabemos. Ela pode querer ficar. Se não ganhar nenhum Estado, há cada vez mais pressão para que abandone a corrida e deixe que tanto o partido como Trump se possam focar só na eleição geral. Mas a matemática ainda não funciona para Trump. Na terça-feira estarão atribuídos 1151 delegados de 2429 possíveis. Não é o suficiente para chegar aos 51%. Talvez só lá para o fim março ele consiga ter a maioria de delegados, depois de mais algumas corridas. Haley ainda tem algum espaço para alegar que não terminou, mesmo que Trump leve a maior fatia dos delegados nesta eleição.

Haley pode então agarrar-se a essas potenciais surpresas, ganhando estados por causa dos independentes. 

Exato. Isso é que seria uma surpresa. Não é uma surpresa que eu estou necessariamente a prever, porque os dados não apontam para isso. Mas só assim é que ela pode ter argumentos para continuar a batalhar.

E do lado democrata, há alguma surpresa que possa acontecer?

Uma das coisas que quero ver é se na Super Tuesday vemos um número crescente dos não comprometidos. Ou seja, se há um efeito de contágio do que se passou no Michigan noutros estados, não necessariamente que tenham populações árabes, mas eleitores que tenham posições mais progressistas, mais à esquerda, mais preocupados com a questão de Gaza.

No fim de tudo, isto foi mesmo uma competição ou nunca se correu o risco de os nomeados serem outros?

Visto daqui, parece quase inevitável que ninguém conseguiria ter ultrapassado Trump. Mas no ano passado nada disto parecia inevitável. Tinha-se falado do Ron DeSantis como sendo a pessoa com mais potencial para agarrar na bandeira de Trump e levar o partido para a próxima eleição. Há um ano Trump não parecia inevitável. Havia muitas dúvidas sobre se o partido continuaria tão ligado a Trump. Sabia-se que havia uma fatia do eleitorado que era devota, que nunca abandonaria Trump, mas não parecia um candidato assim tão óbvio. E nos últimos meses isso dissipou-se, em parte porque a competição deu alguns tiros no próprio pé. Nomeadamente Ron DeSantis, que acabou por demonstrar que não tinha aquele carisma e apelo a nível nacional que se julgava que poderia ter.

O primeiro processo criminal contra Trump, a 15 de fevereiro de 2023, também o terá ajudado.  

De certa maneira, ele acaba por demonstrar aquele aforismo que diz que toda a atenção é boa atenção. Ele é realmente um unicórnio político. Toda a  sua carreira política, assim como a ligação que tem com os eleitores, a capacidade de dinamizar aquela base que vota nele, é incrível. Não segue nenhum dos padrões que nós temos para estudar comportamento político e para a sobrevivência política. Agora parece inevitável. O que é que aconteceu com Haley? Subiu lentamente demais. Se a atenção que caiu sobre DeSantis tivesse caído sobre Nikki Haley, ela se calhar estava numa melhor posição neste momento. Ela superou todas as expectativas e isso foi muito surpreendente. Conseguiu ser a última mulher de pé e um tanto sem querer acabou por se tornar um símbolo da voz do descontentamento dentro do partido republicano. Um símbolo bastante importante. Não me parece que isso desapareça depois de terça-feira.

E será que a campanha nacional começa a sério na quarta-feira ou ainda não?

Do ponto de vista da campanha de Trump, quer Haley desista da corrida ou não, eles vão-se comportar como se ela já não estivesse na corrida. O partido democrata já o faz. Tanto democratas como republicanos querem ultrapassar esta fase das primárias para se focarem no objetivo principal que são as eleições de novembro. E quanto mais rápida for a nomeação de Trump mais positivo isso é do lado democrata, que quer focar a conversa no contraste entre Biden e Trump.

Fonte: dn.pt

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