Luta contra o crime, avisos vermelhos e o tabu nazista – 100 anos da Interpol

Fundada em 1923, a organização policial global conta hoje com 196 países-membros. Os seus famosos avisos vermelhos são a sua imagem de marca, mas ao longo dos anos a Interpol somou aos muitos sucessos também algumas controvérsias.

Ao assinalar o seu centenário, a Interpol enfrenta a difícil tarefa de deter criminosos enquanto garante que os seus famosos avisos vermelhos não são usados abusivamente para capturar dissidentes.

Durante esta semana, mais de mil agentes da polícia e da lei de todo o mundo reuniram-se para a assembleia geral da Interpol em Viena, a cidade austríaca onde a organização foi fundada. “Passamos de 20 países membros em 1923 para 196 hoje”, lembrou à AFP Jürgen Stock, o secretário-geral da Interpol, hoje sediada na cidade francesa de Lyon.

Com os seus famosos alertas vermelhos, a Interpol “garante que não haja refúgios seguros para os criminosos, seja no mundo físico ou online“, explicou o alemão de 64 anos. Mas a organização teve de reforçar os controles depois de o uso abusivo do seu sistema de alertas ter gerado críticas.

Máfia e tabus

Enquanto hub global para a partilha de informações, a Interpol ajuda os países-membros a “ligarem os pontos entre continentes” ao identificar e localizar criminosos, explica Stock.

A base de dados da Interpol possui 125 milhões de arquivos policiais e recebe cerca de 16 milhões de buscas por dia.

O líder dos sérvios da Bósnia no tempo da guerra, Radovan Karadzic – capturado em 2008 após quase 13 anos em fuga – e o serial killer francês Charles Sobhraj estão entre as detenções mais espetaculares realizadas pela Interpol.

O órgão policial global também ajudou a Itália nos últimos anos a reprimir a máfia mais rica e poderosa do país: a “Ndrangheta.

Em maio, a Interpol lançou uma campanha sem precedentes para identificar 22 mulheres que se pensa terem sido assassinadas na Bélgica, na Alemanha e nos Países Baixos. Ao tornar pública informação até agora confidencial, Rita Roberts, que foi morta em 1992, foi finalmente identificada neste ano quando um membro da sua família reconheceu a sua tatuagem.

Controles apertados

Apesar dos seus sucessos, o sistema de avisos vermelhos da Interpol tem sido com regularidade acusado de ser usado indevidamente pelos estados-membros para caçar dissidentes políticos.

Pouco depois de assumir o cargo, em 2014, Stock decidiu enfrentar o problema, criando uma equipe de quatro dezenas de especialistas para examinar os avisos de suspeitos procurados, antes de serem publicados.

“Estamos monitorando a situação geopolítica em todo o mundo e fazendo estas avaliações de conformidade”, explicou Stock, sublinhando o “mecanismo robusto” do sistema.

Em 2022, apenas 1.465 avisos foram rejeitados ou cancelados antes da publicação, em comparação com um total de cerca de 70 mil avisos válidos. “Se um caso é predominantemente político ou tem um componente militar ou religioso, a Interpol está fora e estamos levando isso muito a sério”, insistiu Stock. Além disso, introduziu “uma nova política de refugiados” para proteger aqueles a quem foi concedido esse estatuto.

Organização subfinanciada

Uma mão cheia de países está neste momento sob escrutínio reforçado por parte da Interpol, incluindo a Rússia, que não tem conseguido enviar mensagens diretamente a outros países-membros desde a invasão da Ucrânia, em 24 de fevereiro de 2022. No entanto, devido à ausência de uma “definição globalmente aceita do que é terrorismo”, podem ocorrer erros, admitiu Stock.

O jornalista francês Mathieu Martinière, que recentemente publicou uma investigação aprofundada sobre a Interpol com o seu colega alemão Robert Schmidt, disse à AFP que “a situação melhorou, mas mesmo assim mais de uma centena de pessoas inocentes escapam pela rede todos os anos e podem ser extraditadas e depois detidas”.

Um dos grandes problemas que a Interpol enfrenta é a “falta de recursos humanos numa organização subfinanciada”. A eleição do general dos Emirados Árabes Unidos Ahmed Naser al-Raisi – que está sendo investigado na França por cumplicidade em tortura – como presidente da Interpol em 2021 também suscitou preocupações.

O livro de Mathieu Martinière e Robert Schmidt, Interpol: l’enquête, publicado em outubro, também examina o momento em que os nazis assumiram o controle da organização após a anexação da Áustria natal de Adolf Hitler. O presidente da Interpol na época, o austríaco Ernst Kaltenbrunner, foi condenado à morte nos julgamentos de Nuremberg e executado em 1946.

Até ao início deste ano, os nomes dos presidentes nazis da Interpol não constavam do seu site, numa tentativa de “encobrir a história”, explicou Martinière. Stock garante que se tratou de um descuido não intencional, que já foi corrigido.

 

EM NÚMEROS

196

Países. Quando foi fundada, em 1923, a Interpol começou com 20 membros, hoje conta com 196, que partilham informação para identificar e localizar criminosos.

70 mil

Criminosos. Neste momento a Interpol tem mais de 70 mil criminosos nos alertas vermelhos. Em 2022, apenas 1.465 avisos foram rejeitados ou cancelados antes da publicação.

155 milhões

Orçamento. Em 2022, a Interpol contou com um orçamento de 155 milhões de euros, um valor modesto que contrasta com os quase 800  bilhões que o crime organizado gera anualmente, segundo a ONU.

Fonte: dn.pt

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