A Coreia do Norte colocou em órbita o seu primeiro satélite “espião” e prometeu novos lançamentos para se defender de alegadas “manobras militares perigosas” dos seus “inimigos”, deixando a comunidade internacional em alerta.
Pyongyang argumentou, perante o Conselho de Segurança das Nações Unidas (ONU), que o lançamento do satélite espião foi um ato “legítimo” de autodefesa face a “ameaças” norte-americanas, mas a ONU frisou que tal ação representa um “sério risco” para a aviação civil internacional e para o transporte marítimo e recordou que a Coreia do Norte está proibida de realizar quaisquer lançamentos utilizando tecnologia de mísseis balísticos.
Eis alguns pontos essenciais sobre as implicações para segurança regional do lançamento do “satélite espião” norte-coreano:
Lançamento do satélite “espião”
Na noite de 21 de novembro, a República Popular Democrática da Coreia (RPDC), lançou um foguete, denominado, “Chollima-1”, carregado com o satélite de reconhecimento “Malligyong-1”, a partir da Estação de Lançamento de Satélites de Sohae, segundo um ‘briefing’ da ONU ao Conselho de Segurança.
A Administração Nacional de Tecnologia Aeroespacial, a agência espacial da Coreia do Norte, anunciou que o foguete voou normalmente ao longo da trajetória de voo predefinida e que o satélite entrou em órbita pouco tempo depois.
A agência anunciou também que a RPDC iria “lançar vários satélites de reconhecimento num curto espaço de tempo”.
O lançamento surge na sequência de anteriores tentativas falhadas, realizadas em 31 de maio e 24 de agosto deste ano, também utilizando o foguete “Chollima-1”.
Reações ao lançamento do satélite
Os Estados Unidos, Japão e Coreia do Sul rapidamente condenaram o lançamento espacial “com tecnologia de mísseis balísticos” pela Coreia do Norte e criticaram o “efeito desestabilizador” gerado na região.
Na sexta-feira, e em resposta ao lançamento de Pyongyang, o secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, realizou uma teleconferência trilateral com os seus os seus homólogos da Coreia do Sul, Park Jin, e do Japão, Kamikawa Yoko, na qual acusaram a Coreia do Norte de “violação de múltiplas resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas” e de levar a cabo “ações irresponsáveis e ilegais”.
Também o secretário-geral da ONU, António Guterres, condenou o lançamento de mais um satélite militar utilizando tecnologia de mísseis balísticos e reiterou os seus apelos para que Pyongyang “cumpra integralmente as suas obrigações internacionais ao abrigo de todas as resoluções relevantes do Conselho de Segurança” e para que “retome o diálogo sem condições prévias para alcançar o objetivo da paz sustentável e da desnuclearização completa e verificável da Península Coreana”.
Numa reunião do Conselho de Segurança da ONU na segunda-feira para discutir precisamente esse lançamento, as potências ocidentais, juntamente com o Japão e a Coreia do Sul, foram unânimes a condenar o lançamento e a criticar o “desvio de recursos” para fins militares e com graves consequências humanitárias para a população norte-coreana.
A reunião ficou marcada por uma inesperada troca de palavras entre as missões norte-americana e norte-coreana junto à ONU.
“Um país beligerante, os Estados Unidos, está a ameaçar-nos com armas nucleares. É direito legítimo da Coreia do Norte, como outra parte beligerante, desenvolver, testar, fabricar e possuir sistemas de armas equivalentes aos que os Estados Unidos possuem ou estão a desenvolver”, disse o embaixador norte-coreano, Kim Song, numa rara aparição perante o Conselho de Segurança da ONU.
Por sua vez, a embaixadora dos Estados Unidos junto da ONU, Linda Thomas-Greenfield, rejeitou os argumentos norte-coreanos, e avaliou que as ações de Pyongyang se baseiam “em paranoia” e que “nenhuma arma jamais foi disparada pelos Estados Unidos contra a RPDC”.
Já a China e a Rússia argumentam que os exercícios militares conjuntos dos Estados Unidos e da Coreia do Sul provocam Pyongyang, enquanto Washington acusa Pequim e Moscovo de encorajarem a Coreia do Norte, protegendo-a de mais sanções.
Sanções da ONU à Coreia do Norte
A Coreia do Norte está sob sanções da ONU devido aos seus programas de mísseis balísticos e nucleares desde 2006. Isto inclui a proibição do desenvolvimento de mísseis balísticos.
Essa tecnologia foi usada para lançar o satélite na semana passada e segue os testes de dezenas de mísseis balísticos nos últimos 20 meses. Os Estados Unidos, que estão entre os países que impuseram sanções unilaterais, há muito alertam que Pyongyang estava pronto para realizar um sétimo teste nuclear.
As sanções proíbem o comércio de armas e equipamento militar, congelam os bens das pessoas envolvidas no programa nuclear e restringem a cooperação científica, entre outras ações.
Além de impor sanções, as resoluções aprovadas pelo Conselho de Segurança da ONU dão aos Estados-membros autoridade para interditar e inspecionar a carga norte-coreana no seu território e, subsequentemente, apreender e eliminar remessas ilícitas.
As resoluções também apelam à Coreia do Norte para que volte a aderir ao Tratado de Não-Proliferação Nuclear, ao qual se obrigou em 1985, mas do qual se retirou em 2003, usando como argumento a “política hostil” dos Estados Unidos.
Apesar de as potências mundiais continuarem a punir a Coreia do Norte com sanções económicas, a pressão até agora não conseguiu levar Pyongyang à desnuclearização.
Riscos associados ao lançamento do satélite “espião”
De acordo com a ONU, os lançamentos da RPDC representam um sério risco para a aviação civil internacional e para o tráfego marítimo.
Embora a RPDC tenha emitido uma notificação de pré-lançamento à Guarda Costeira Japonesa, não emitiu notificações de espaço aéreo ou de segurança marítima à Organização Marítima Internacional, à Organização da Aviação Civil Internacional ou à União Internacional de Telecomunicações.
“A RPDC tem demonstrado consistentemente a sua forte intenção de prosseguir os seus programas de armas nucleares e de mísseis balísticos, em violação das resoluções relevantes do Conselho de Segurança. Enfatizamos mais uma vez o nosso apelo à RPDC para que se abstenha de tais ações”, indicou a ONU, frisando que o “aumento da retórica nuclear na Península Coreana é profundamente preocupante”.
Em resposta ao lançamento, a Coreia do Sul suspendeu partes de um acordo militar de cinco anos com a Coreia do Norte, prometendo retomar a vigilância aérea ao longo da fronteira.
A Coreia do Norte, por sua vez, declarou imediatamente que deixaria de estar vinculada ao acordo e anunciou planos para enviar mais tropas e equipamento militar para a fronteira.
De acordo com especialistas, o colapso do acordo militar inter-coreano irá provavelmente aumentar o risco de confrontos transfronteiriços.
O lançamento de 21 de novembro ocorreu também num momento de preocupações crescentes na comunidade internacional relativamente a possíveis transferências de armas da RPDC para a Rússia e a uma cooperação mais estreita entre os dois países.
O líder norte-coreano, Kim Jong-un, visitou a Rússia entre 12 e 17 de setembro, quando se encontrou com o Presidente russo, Vladimir Putin, e visitou locais militares e tecnológicos.
Em 13 de setembro, enquanto mostrava a Kim uma instalação de lançamento espacial, Putin foi questionado pela imprensa sobre se a Rússia iria ajudar a RPDC na construção de satélites, e respondeu: “foi por isso que viemos aqui. O líder da RPDC demonstra grande interesse na engenharia de foguetes, eles também estão a tentar desenvolver o espaço”.
Seul garante que Moscovo ajudou Pyongyang a lançar o mais recente satélite de espionagem militar.
Vantagens do satélite para Pyongyang
Analistas observaram que um único satélite em órbita poderá ajudar militarmente a Coreia do Norte.
“Se funcionar, melhorará o comando, controlo e comunicações ou as capacidades de inteligência e vigilância dos militares norte-coreanos. Isso melhoraria a capacidade do Norte de comandar as suas forças” em qualquer possível conflito, disse Carl Schuster, antigo diretor de operações do Centro Conjunto de Inteligência do Comando do Pacífico dos EUA, citado pela CNN International.
O “satélite dar-lhes-á uma capacidade que antes não tinham, que pode ajudá-los na seleção de alvos militares, pode ajudá-los na avaliação de danos”, disse por sua vez Ankit Panda, um político nuclear do Carnegie Endowment for International Peace.
Além disse, as lições aprendidas com este lançamento serão usadas no desenvolvimento de futuros satélites, segundo especialistas.
Para Chris Green, analista do Crisis Group, o satélite de reconhecimento será um avanço tecnológico para a Coreia do Norte, se funcionar como pretendido, e levará ao aumento significativo da capacidade de vigilância de Pyongyang.
Parceria Putin-Kim é “combustível” espacial para a Coreia do Norte
O lançamento do primeiro satélite “espião” norte-coreano suscita muitas dúvidas sobre o seu real êxito, mas também receios de que Pyongyang tenha ascendido a um novo patamar, graças à tecnologia russa e em troca de armas.
Após dois lançamentos falhados no início do ano, a Coreia do Norte afirmou ter colocado com sucesso o satélite de espionagem militar “Malligyong-1” em órbita no dia 21 de novembro, mas precisa de tempo para verificar se está a funcionar corretamente.
“O foguetão espacial Chollima-1 voou normalmente ao longo da trajetória predefinida e colocou com precisão o satélite ‘Malligyong-1’ em órbita (…) 705 segundos [quase 12 minutos] após o lançamento”, informou a agência de notícias estatal norte-coreana KCNA.
Segundo Pyongyang, o líder norte-coreano, Kim Jong Un, analisou imagens da Casa Branca e do Pentágono, em Washington, de porta-aviões norte-americanos e de bases navais dos Estados Unidos, incluindo Guam e Havai, e ainda de locais importantes na Coreia do Sul, como o porto de Busan, e até Roma, embora não tenha divulgado as fotografias captadas pelo satélite e peritos duvidem da sua relevância militar.
Apesar da tradicional propaganda teatral do séquito de Kim, as reações internacionais condenaram o que consideraram ser uma flagrante violação das resoluções do Conselho de Segurança da ONU – que proíbem quaisquer lançamentos de satélites por parte da Coreia do Norte.
Tinham passado apenas dois meses desde uma reunião histórica entre o Presidente da Rússia, Vladimir Putin, e o seu homólogo norte-coreano em Vladivostok, no centro de lançamento de satélites mais importante da Rússia, o Cosmódromo Vostochny: “É por isso que viemos aqui”, respondeu o líder do Kremlin, citado pela imprensa estatal, à questão do seu apoio à construção de satélites.
No suposto negócio, celebrado sem mais declarações públicas sobre este tema, entre impressionantes manifestações militares e trocas simbólicas de prendas, como espingardas automáticas e ‘drones’, Pyongyang ajudaria Moscovo com remessas de armas e munições para fazer frente à guerra na Ucrânia, que invadiu em fevereiro de 2022 perante um clamor de vozes de condenação internacional e que contribuiu para que a Rússia se juntasse à Coreia do Norte no grupo de países mais isolados do mundo.
Embora aliados há décadas, as relações entre a Rússia e a Coreia do Norte conheceram um desenvolvimento assinalável este ano com o aprofundamento da cooperação bilateral militar, que levou a Pyongyang os ministros russos da Defesa, Sergei Shoigu, em julho para assistir às celebrações do 70.º aniversário do Armistício da Guerra da Coreia, e dos Negócios Estrangeiros, Serguei Lavrov, em 20 de outubro, onde deixou palavras de inquietação sobre as atividades dos Estados Unidos, do Japão e da Coreia do Sul na região.
Em 26 de outubro, o ministro russo dos Recursos Naturais, Alexander Kozlov, chefiou uma delegação de visita a Pyongyang e proclamou “o fortalecimento dos laços com a Coreia do Norte em todos os níveis”, seguindo os objetivos traçados por Putin, enquanto a chefe da diplomacia sul-coreana, Choe Son-hui, advertia que as relações entre os dois países funcionarão como um elemento “poderoso estratégico” se a segurança na região estiver ameaçada em resultado da aliança militar trilateral liderada dos Estados Unidos com a Coreia do Sul e Japão.
Dois dias depois do lançamento do satélite “espião”, o Serviço de Nacional de Informações (NIS) de Seul afirmou que a Rússia ajudou a Coreia do Norte, num processo que começou na cimeira Putin-Kim, em Vladivostok, quando o líder norte-coreano forneceu a Moscovo o plano e os dados para o lançamento do primeiro e do segundo dispositivo.
“A Rússia, por sua vez, analisou esses elementos e forneceu informações ao Norte”, revelou o deputado sul-coreano Yoo Sang-bum, citando dados da “secreta” de Seul, e adiantando que Pyongyang transferiu para Moscovo mais de um milhão de projéteis de artilharia desde o início de agosto a troco de tecnologia e ‘know-how’ espacial.
Yoo Sang-bum precisou que mais de um milhão de projéteis de artilharia foram transportados por mar a partir do porto de Najin e chegaram às estruturas portuárias russas de Dunai e Vostochny, segundo o NIS, de onde foram transportados de comboio para a Ucrânia.
O deputado sul-coreano destacou que a Coreia do Norte carece de recursos financeiros e de conhecimentos técnicos no seu programa de satélites e que, entre as contrapartidas dadas por Moscovo, poderá estar o envio de aviões de combate russos.
Apesar do sucesso que busca há décadas, o satélite Malligyong-1 está a pairar em órbita há mais de uma semana e permanece incerto o que Kim Jong Un estará realmente a ver. Pyongyang tem um historial de imagens falsas ou manipuladas e as suas proezas militares são frequentemente manifestamente exageradas e dirigidas pela sua propaganda para consumo interno e internacional.
“Se há algo que sabemos sobre a Coreia do Norte é que é um país que mente o tempo todo”, alerta Fyodor Tertitskiy, investigador de política norte-coreana na Universidade Kookmin, em Seul, citado pela BBC.
A estação britânica tentou ver a Casa Branca em tempo real e, logo no primeiro lugar da pesquisa, conseguiu, através de uma câmara a transmitir em direto no canal YouTube, tendo em alternativa outro instrumento de alcance universal, o Google Earth.
Os especialistas apontam também que, mesmo que o satélite de vigilância norte-coreano esteja a transmitir, as suas imagens oferecem uma resolução muito limitada. Mas avisam que, ao passar do nada para alguma coisa, é arriscado subestimar-se a ambição de Pyongyang, agora aparentemente reforçada pelos vastos conhecimentos russos neste domínio e pelas “costas largas” de Putin, que foi convidado a visitar Pyongyang.
Analistas observam também, que, além da evolução tecnológica, Pyongyang poderá usar diplomaticamente um eventual reforço do seu potencial militar para tentar obter alívios nas sanções que enfrenta desde 2006 devido aos seus programas de mísseis balísticos e nucleares e abandonar o papel de caricatura que desempenha na cena internacional.
Em resposta à Associated Press, o Presidente sul-coreano, Yoon Suk Yeol, um dos maiores parceiros não europeus da Ucrânia contra a agressão de Moscovo, já reconheceu que o lançamento bem-sucedido de um satélite de reconhecimento pelo Norte “significaria que as capacidades de ICBM [míssil balístico intercontinental] da Coreia do Norte foram levadas a um nível superior”.
Fonte: dn.pt