O chanceler alemão, Olaf Scholz, defendeu ontem, num discurso no Parlamento, de forma veemente o histórico de gastos de seu governo, mesmo depois de uma decisão judicial sobre regras cruciais para a dívida ter provocado uma crise orçamentária no país. Estes são os principais pontos desta crise iniciada este mês e que está a abalar a maior economia da Europa e a ameaçar o colapso da fracionada coligação governamental tripartidária liderada por Scholz.
Quais são as regras da dívida na Alemanha?
Em 2009, quando Angela Merkel era chanceler, a Alemanha consagrou o chamado “travão da dívida” na sua Constituição. Este mecanismo limita o défice orçamental do governo a 0,35% do Produto Interno Bruto e é um símbolo emblemático do compromisso da Alemanha em alcançar orçamentos equilibrados – conhecidos como “schwarze Null” ou “zero negro”.
A ideia de limites de despesa rigorosos ganhou força no início da década de 2000, e os políticos foram realmente incitados a agir devido à crise financeira de 2007-2008, quando a dívida e o défice dispararam.
Esta medida pode ser suspensa em situações de emergência, desde que aprovado pelo Parlamento alemão. Foi isso que aconteceu entre 2020 e 2022, primeiro para fazer face às consequências da pandemia do coronavírus e depois devido à crise energética desencadeada pela invasão da Ucrânia pela Rússia.
O “travão da dívida” era suposto voltar a vigorar este ano, mas, devido à crise orçamental, o ministro das Finanças, Christian Lindner, anunciou na semana passada que a coligação governamental estava a tentar suspendê-lo novamente.
O que desencadeou a atual crise?
A 15 de novembro, o Tribunal Constitucional da Alemanha decidiu que a coligação de Scholz agiu em violação do “travão da dívida”, numa resposta a uma queixa apresentada pelos partidos conservadores de oposição CDU e CSU.
Em causa estava uma decisão tomada no ano passado de transferir 60 mil milhões de euros de capacidade de endividamento não utilizada de um fundo destinado a combater os impactos da pandemia para um “fundo climático e de transformação”.
O impacto imediato da decisão foi eliminar os 60 mil milhões de euros do fundo climático, que valia 212 mil milhões de euros. Uma medida que poderá vir a afetar projetos destinados a acelerar a transição da Alemanha para uma economia livre de emissões, bem como outros projetos que supostamente transformarão a indústria – tais como uma série de investimentos em projetos de semicondutores anunciados recentemente.
Mas a decisão também está a afetar outros fundos “fora do orçamento”, com o governo a ser agora obrigado a contabilizar as despesas adicionais no seu orçamento principal.
Como reagiu o governo de Scholz a esta decisão judicial?
Os projetos no âmbito do fundo para o clima e a transformação foram inicialmente suspensos, seguidos de um congelamento mais amplo dos compromissos de despesas futuras.
O ministro das Finanças, Christian Lindner, foi obrigado a tentar suspender novamente o “travão da dívida”, uma medida de sabor amargo para este falcão fiscal, cujo partido, o liberal FDP, apoiou firmemente estas medidas.
Ao anunciar este novo desenvolvimento na semana passada, Lindner omitiu qualquer menção à palavra “travão da dívida”, referindo-se, em vez disso, enigmaticamente à introdução de um “orçamento suplementar”, e não deu qualquer explicação adicional. Coube, mais tarde, ao Ministério das Finanças esclarecer os detalhes.
Entretanto, as negociações sobre o Orçamento para 2024 foram suspensas.
Num discurso feito ontem no Parlamento alemão, o chanceler Olaf Scholz insistiu que foram necessários grandes gastos governamentais nos últimos anos para fazer face ao duplo choque da pandemia e da crise energética.
“Nos últimos dois anos, a Alemanha foi abalada por crises externas graves e imprevisíveis”, disse perante os deputados. “Isso apresentou-nos desafios que a nossa república talvez nunca tenha experimentado antes com tanta concentração e severidade.”
Scholz também insistiu que seria um “erro grave e imperdoável” negligenciar a modernização da Alemanha, citando investimentos em fábricas de chips e baterias, áreas nas quais o governo tem atribuído avultados subsídios.
Quais são as implicações mais abrangentes desta crise?
Esta crise orçamental deu gás ao debate sobre se o “travão da dívida” deveria ser relaxado e tem levantado questões sobre se a frágil coligação tripartidária de Scholz poderá implodir.
Enquanto o SPD de Scholz e os Verdes são a favor de um relaxamento das regras, o FDP de Lindner parece determinado a manter o limite da dívida em vigor. Ao mesmo tempo, aumentar os impostos é uma linha vermelha para o FDP.
Numa alusão à disputa dentro da coligação, o ministro da Economia, Robert Habeck, dos Verdes, insistiu na segunda-feira que “todos os projetos que concebemos devem ser tornados possíveis”.
A oposição, entretanto, descreveu a decisão como um “desastre político”, sendo que, também na segunda-feira, Markus Soeder, o poderoso líder da CSU, juntou a sua voz aos apelos por novas eleições federais.
Fonte:dn.pt