Massa ou Milei? Quem decide são os eleitores de Bullrich

Qual dos sapos os eleitores da terceira classificada, com 23,7% dos votos, estão dispostos a engolir? Esses eleitores decidem hoje nas urnas o futuro da Argentina.

No dia 22 de outubro, data do primeiro turno, o atual ministro da Economia, Sergio Massa, candidato da coligação Unión por La Patria, peronista, de centro-esquerda, arregimentou 36,78% dos votos. E Javier Milei, o líder da La Libertad Avanza, de ultradireita, 29,99%. Afastada da decisão, Patrícia Bullrich, cabeça de lista do Juntos por El Cambio, da direita tradicional, somou só 23,8%. Mas são esses 23,8% de eleitores, concordam os observadores, que vão decidir as eleições de hoje.

E em quem votam então os eleitores de Bullrich? A maioria em Milei, até porque a própria candidata pela coligação Juntos por El Cambio resolveu apoiar o líder do Partido Libertário mesmo sem consultar Maurício Macri, presidente de 2015 a 2019 e fundador do Proposta Republicana (PRO), partido de ambos. Macri, porém, ratificou esse apoio logo a seguir e Bullrich fez mesmo uma aparição surpresa no último comício de Milei, em Córdoba.

Mas a política, sobretudo a argentina, está longe de obedecer às regras aritméticas: derrotado por Bullrich nas primárias do partido, em agosto, Horácio Rodríguez Larreta, influente barão do PRO e presidente da Câmara de Buenos Aires, já fez saber que está com Massa. E, segundo a imprensa local, vem negociando o Ministério da Economia ou o dos Negócios Estrangeiros de um eventual governo peronista.

Claro que quem votou Patrícia Bullrich decidirá a eleição e que ela e Macri estabeleceram um acordo para apoiar Milei“, observa Javier Calvo, comentador do canal América 24 e ex-diretor do jornal Perfil, em conversa com o DN. “Mas temos de ter em conta, primeiro, que ela só disputou as eleições porque nas primárias no seu partido derrotou Larreta, e depois que encabeçou uma coligação de partidos da qual ela seria, na verdade, a representante da ala mais à direita do grupo.

“Logo”, completa o jornalista, “a pergunta é: o que vai se passar com esse voto interno do PRO em Larreta – quase 40% dos eleitores preferiram-no em detrimento de Bullrich – e o que vai se passar, por exemplo, com o voto da União Cívica Radical e dos outros partidos da coligação Juntos por El Cambio? Afinal, estão alinhados com Bullrich, que apoia Milei, mas a questão é se apoiam Massa ou vão votar em branco”.

O DN tentou ouvir a resposta diretamente de moradores de Recoleta, o bairro de Buenos Aires onde Bullrich obteve a mais expressiva votação em toda a Argentina – lá, 58% dos eleitores escolheram-na, superando por larga margem os 20% de votos em Massa e os 18% em Milei.

Votei Bullrich e voto Milei porque pior do que temos não pode haverdiz Nelly, economista, que prefere omitir sua identidade. “Ganhar Massa é entregar o país ao convênio que os peronistas têm com o Brasil, é entregar o país ao comunismo, à droga, e transformá-lo numa Venezuela.” Milei é louco, mas mais louco do que esta gente kirchnerista não há, eles matam aqueles de quem já não necessitam, eles querem criar mais e mais pobreza e escravidão”, continua, enquanto circula no Parque Vicente López, não muito longe da casa onde viveu Jorge Luis Borges, talvez o maior vulto da literatura argentina.

Clara Bulazos, outra eleitora de Bullrich, diz, enquanto passeia com o cão na Calle Montevideo, que não vota por Milei – “voto contra Massa, voto contra o kirchnerismo, estamos fartos”. “Para votar Milei, claro, tenho de tapar o nariz e enfiar-me num quarto escuro, mas como agora estão Macri e Bullrich por trás dele, melhor.

A maioria das pessoas do bairro que Clara conhece vai, como ela, tapar o nariz e optar pelo libertário. Já Nelly teme que os muitos das suas relações “que estão na dúvida” acabem por fraquejar e “votar no Massa, por medo de Milei”. “Lamento por eles”, conclui.

A maioria dos votos da direita tradicional deve, de fato, rumar a Milei, porque é um voto sobretudo antikirchnerista, seja qual for o rival, embora Massa tenha dito que não só não é kirchnerista, como não terá Cristina Kirchner no seu governo“, lembra ao DN Carlos De Angelis, cientista político.

“Massa, a três ou quatro pontos nas sondagens, precisa de recuperar votos neste cordão central mais produtivo e mais exportador, tradicionalmente mais antiperonista, que inclui a capital e, porque não, os bairros, como a Recoleta, de classe média e alta. Milei, por sua vez, como teve na primeira volta um voto majoritariamente jovem e masculino e gerou muitas dúvidas na escala de idades mais alta e entre as mulheres, se conseguir conquistar esse voto útil nesses segmentos é bom sinal.”

Javier Calvo arremata: “Segundo as sondagens, o grosso do eleitorado de Bullrich na primeira volta vai votar em Milei, mas será 80%, 70%, 60%? Só após as eleições saberemos.”

Se a Recoleta, bairro portenho de classe média e alta, é a praça preferencial de Bullrich em toda a Argentina, em La Matanza, arredores populares da capital federal, Massa, com um pouco mais de 50% dos votos, alcançou o seu melhor resultado nacional. Por sua vez, Milei chegou a 33%, o seu recorde no país, em Córdoba, região dependente da agricultura e que nos últimos anos aprendeu a abominar a antiga presidente Cristina Kirchner, o presidente cessante Alberto Fernández e, por extensão, Massa.

Fonte: dn.pt

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