“Crise da humanidade” quando se contam mais de dez mil mortos em Gaza

Um mês depois do massacre perpetrado pelo Hamas, António Guterres fez novo apelo para um cessar-fogo humanitário. Já Joe Biden pressionou Benjamin Netanyahu para "pausas táticas" nas operações militares. Exército Israelita afirma ter cercado a cidade de Gaza.

Ao 31.º dia da guerra Israel-Hamas, o Ministério da Saúde da Faixa de Gaza anunciou a morte de um total de 10 022 pessoas, entre as quais mais de 40% menores de idade. “Um pesadelo”, disse o secretário-geral da ONU, que voltou a pedir um “cessar-fogo humanitário”. Com outro nome, “pausas táticas”, o presidente dos Estados Unidos discutiu com o primeiro-ministro de Israel paragens nas operações militares para permitir ajuda humanitária numa altura em que o Programa Alimentar Mundial alerta que a comida está a a horas de se esgotar e o exército israelita diz ter cercado a cidade de Gaza.

Ao lançar um apelo humanitário para recolher 1,12 mil milhões de euros para assistência aos palestinianos, o secretário-geral das Nações Unidas António Guterres não foi brando no diagnóstico. Lembrou que a intensificação do conflito, além do drama local, corre o risco de se propagar pela região, enquanto ceifa vidas inocentes, entre mulheres, crianças, assim como funcionários das agências da ONU e jornalistas, que morreram em número recorde em tão curto período de tempo. “As operações terrestres das Forças de Defesa de Israel e os bombardeamentos contínuos estão a atingir civis, hospitais, campos de refugiados, mesquitas, igrejas e instalações da ONU, incluindo abrigos. Ninguém está seguro”, disse.

“A catástrofe que se desenrola torna a necessidade de um cessar-fogo humanitário mais urgente a cada hora que passa”, disse aos jornalistas em Nova Iorque. “As partes em conflito e, de facto, a comunidade internacional , enfrentam uma responsabilidade imediata e fundamental: deter este sofrimento coletivo desumano e ampliar drasticamente a ajuda humanitária a Gaza”, disse. Isto porque “o pesadelo em Gaza é mais que uma crise humana, é uma crise da humanidade”.

Depois de ter feito o apelo para um “cessar-fogo humanitário”, Guterres explicou a necessidade de ampliar o volume de ajuda humanitária a um enclave onde antes de 7 de outubro entravam 500 camiões por dia, número que não foi atingido no mês inteiro que se seguiu. “Sejamos claros: a passagem de Rafah por si só não tem capacidade para processar camiões de ajuda humanitária na escala necessária”, considerou.

Também o grande aliado de Telavive, os Estados Unidos, pressionam para que as armas se calem, nem que seja por umas horas. O presidente Joe Biden discutiu com o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu a possibilidade de “pausas” nas operações militares israelitas. “Os dois líderes discutiram a possibilidade de pausas táticas para dar aos civis a oportunidade de se afastarem em segurança das áreas de combate em curso, para garantir que a assistência chega aos civis necessitados e para permitir a libertação de potenciais reféns”, afirmou a Casa Branca em comunicado.

Depois de se ter reunido com o homólogo turco, Hakan Fidan, em Ancara, o chefe da diplomacia dos EUA mostrou-se otimista quanto à perspetiva de mais ajuda à população de Gaza. “Estamos a trabalhar de forma muito agressiva para se levar mais assistência humanitária a Gaza. Penso que nos próximos dias vão verificar que a assistência vai expandir-se de forma significativa”, afirmou Antony Blinken.

Ao mesmo tempo que Washington mostra ser favorável à proteção das vidas dos palestinianos, reafirmou que vai “continua a apoiar de Israel contra a violenta organização terrorista”, nas palavras do porta-voz do conselho de segurança nacional da Casa Branca, John Kirby, e nos atos, ao enviar um submarino para a região, onde já estão dois porta-aviões e respetivos grupos de ataque.

As forças israelitas avançaram mais na Faixa de Gaza nas últimas horas, depois de ataques aéreos durante a noite que atingiram 450 alvos e deixaram o território sob novo apagão de comunicações, que durou 15 horas. Os ataques aéreos e terrestres concentraram-se na metade norte da Faixa de Gaza, que foi isolada pelas forças armadas israelitas durante o fim de semana, no seu objetivo para destruir o movimento islamista Hamas. “Completámos o nosso cerco, separando os redutos do Hamas no norte e no sul, e está a revelar-se eficaz”, disse o porta-voz dos militares israelitas Richard Hecht. “É uma guerra urbana a curta distância. Há muita infantaria a atuar”.

Boicote ao Ocidente

Em reação a algumas manifestações de solidariedade de empresas ocidentais a Israel, um pouco por todo o Médio Oriente o ativismo pró-palestiniano começa a fazer-se sentir através do boicote aos produtos de certas marcas. Disseminada pelas redes sociais, TikTok em especial, a campanha inclui páginas, aplicações para telemóveis e uma extensão para o Chrome, o navegador da Google. “Em solidariedade para com os palestinianos começámos a boicotar todos os produtos que apoiam Israel. Não queremos que o nosso dinheiro contribua para mais combates”, disse à AFP Jana Abdullah, de 14 anos, enquanto faz compras numa loja de conveniência do Bahrein e vai confrontando as marcas com uma lista que consulta no tablet.

Jana era cliente habitual do McDonald”s, mas juntou-se a muitos outros na região que deixaram de sê-lo depois de a franquia israelita da cadeia de fast food ter anunciado a oferta de milhares de refeições aos soldados das Forças de Defesa de Israel. De pouco valeu um comunicado da empresa mãe, no qual garantiu que “não financia nem apoia qualquer governo envolvido neste conflito”.

No Koweit, cartazes com imagens de crianças ensanguentadas questionam quem passa: “Matou um palestiniano hoje?”, referindo-se aos consumidores que ignoram o boicote. “Foi criada uma imagem mental entre os koweitianos de que os slogans do Ocidente e o que dizem sobre os Direitos Humanos não se aplicam a nós”, comenta o ativista Mishari al-Ibrahim enquanto explica que o apoio ocidental a Israel “fortaleceu a disseminação” do boicote naquele país do Golfo.

Detida famosa ativista

A mais famosa jovem militante da causa da Palestina foi detida em Nabi Saleh, na Cisjordânia, por suspeitas de “incitação à violência e a atividades terroristas”, informou o Exército Israelita. Ahed Tamimi, de 22 anos, foi detida após uma publicação no Instagram em que apelava ao “massacre” de israelitas em “todas as cidades da Cisjordânia, Hebron e Jenin”. Narimane Tamimi, mãe de Ahed, afirma que a filha não escreveu aquela mensagem e nem o poderia fazer porque assim que “tenta abrir uma conta nas redes sociais, é logo bloqueada”.

Ahed Tamimi cedo iniciou o seu ativismo: com 11 anos já fazia parte de manifestações. Ficou famosa globalmente em 2015 quando tentou impedir a detenção do irmão mais novo, tendo mordido um soldado. Dois anos depois, Ahed e uma prima agrediram dois soldados israelitas que estariam a invadir a sua propriedade. Em consequência, foi condenada a oito meses de prisão.

Fonte: dn.pt por cesar.avo@dn.pt

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