O secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, defendeu este domingo em Ramallah que a Autoridade Palestiniana (AP) “deve desempenhar um papel central no que vem a seguir na Faixa de Gaza”. A mensagem foi passada num encontro com o líder da AP, Mahmud Abbas, na primeira visita à Cisjordânia ocupada desde o início da guerra entre Israel e o Hamas. Abbas, que insistiu junto de Blinken na necessidade de um cessar-fogo, indicou que Gaza é “parte integrante” do Estado que os palestinianos querem e que a AP “assumirá plenamente” as “responsabilidades no âmbito de uma solução política abrangente que inclua toda a Cisjordânia, incluindo Jerusalém Oriental, e a Faixa de Gaza”.
As declarações de Blinken foram transmitidas por um oficial do Departamento de Estado, que disse que o futuro de Gaza não era o foco do encontro mas que os responsáveis da Autoridade Palestiniana pareciam dispostos a desempenhar um papel. Numa audiência no Senado dos EUA, na semana passada, o secretário de Estado já tinha defendido que Abbas e a AP deviam retomar o controlo de Gaza após a guerra. Washington é a favor de uma solução de dois Estados, algo que o primeiro-ministro israelita Benjamin Netanyahu nunca defendeu de forma entusiasta.
Já as declarações de Abbas foram noticiadas pela agência oficial palestiniana Wafa. O líder da AP está no cargo desde 2005, mas exerce controlo apenas em algumas áreas da Cisjordânia ocupada, tendo saído da Faixa de Gaza em 2007 após o Hamas vencer as eleições de 2006. Além disso, aos 88 anos, não tem um sucessor claro e é cada vez mais impopular no meio de denúncias de corrupção e de conluio com Israel devido aos acordos alargados ao nível de segurança.
Segundo a mesma agência, Abbas denunciou no encontro com Blinken “o genocídio e a destruição sofridas pelo povo palestiniano em Gaza às mãos da máquina de guerra israelita, sem olhar aos princípios da lei internacional”. E defendeu um “cessar-fogo imediato”, exigindo que os EUA também o façam – quando os norte-americanos têm apoiado apenas a ideia de “tréguas humanitárias”.
Segundo o Departamento de Estado norte-americano, Blinken e Abbas “discutiram esforços para restaurar a calma e a estabilidade na Cisjordânia, incluindo a necessidade de parar com a violência extremista contra os palestinianos e garantir que existe responsabilização“. Pelo menos 150 palestinianos morreram na Cisjordânia desde o início da guerra em Gaza, a maioria em raides militares das forças de Israel, mas também alguns em confrontos com colonos israelitas.
Nem Blinken nem Abbas falaram quando se cumprimentaram, diante das câmaras, nem fizeram qualquer comentário no final da reunião que durou menos de uma hora – o que, segundo a Al-Jazeera, indica provavelmente “diferenças substanciais e desacordo” entre as posições norte-americana e palestiniana. Apesar de a visita ter sido mantida em segredo, sendo apenas confirmada depois de Blinken ter deixado Ramallah, muitos palestinianos saíram às ruas para contestar o apoio dos EUA a Israel.
Bombardeamentos
Enquanto Blinken visitava Ramallah, prosseguiam os bombardeamentos israelitas e os militares apertavam o cerco a Gaza. O porta-voz das Forças de Defesa de Israel (IDF, em inglês), Daniel Hagari, explicou que “ataques significativos estão em curso e continuarão esta noite [este domingo] e nos próximos dias”, havendo a expectativa que até terça-feira as forças israelitas possam entrar na cidade de Gaza.
O porta-voz confirmou que o exército conseguiu cortar em dois o enclave palestiniano: “Agora há uma Gaza Sul e uma Gaza Norte”, explicou. “Existem agora ataques generalizados a infraestruturas de terror, debaixo de terra e acima dela”, referiu Hagari, falando dos túneis que cruzam o território e que são usados pelo Hamas para atacar Israel – os rockets continuam a cair no país. Na primeira semana da ofensiva terrestre morreram 29 militares israelitas.
O Hamas, que controla o território, denunciou novo corte das comunicações, além de bombardeamentos “intensos” junto a hospitais. Na noite de sábado para domingo, disse ainda que pelo menos 45 pessoas morreram nos ataques israelitas ao campo de refugiados de Maghazi. As IDF apresentaram alegadas provas do que diz serem militantes do Hamas a disparar rockets desde os hospitais de Gaza (ou perto deles), além dos túneis que foram construídos debaixo dos edifícios.
Desde o início da guerra, que surge em resposta ao ataque do grupo terrorista palestiniano a 7 de outubro que deixou 1400 mortos em Israel, já morreram pelo menos 9770 pessoas na Faixa de Gaza, praticamente metade (4880) crianças, segundo as contas do Ministério da Saúde, controlado pelo Hamas. Haverá ainda 26 mil feridos.
Pelo segundo dia consecutivo, a fronteira de Rafah (a única entre a Faixa de Gaza e o Egito) esteve este domingo fechada às saídas de feridos graves palestinianos e cidadãos estrangeiros ou com dupla nacionalidade. O posto de fronteira “está fechado porque Israel proíbe que os feridos passem para o Egito para receber tratamento, usando pretextos falsos para deixá-los morrer”, disse à AFP uma fonte do Hamas, sob anonimato. “Nenhum estrangeiro partirá enquanto os feridos estiverem bloqueados”, referiu.
O impasse surgiu depois de, na sexta-feira à noite, um alto funcionário da Casa Branca ter dito que “um terço dos nomes dos feridos [palestinianos] eram, após verificação, membros e combatentes do Hamas”. A fronteira tinha aberto na quarta-feira e só nesse dia saíram 361 pessoas. Número semelhante saíram na quinta e na sexta-feira.
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