Quando Donald Trump começou o seu discurso no mais recente comício de campanha presidencial, agradeceu aos cidadãos de Sioux Falls por terem votado nele em massa no passado. Mas o candidato republicano às presidenciais de 2024 não estava em Sioux Falls, no Dakota do Norte, mas sim em Sioux City, no Iowa. Não entendeu os gritos da multidão até que um político local lhe soprou ao ouvido que estava numa cidade diferente.
Esta gafe do ex-presidente é apenas uma de várias que lhe foram apanhadas nas últimas semanas. Parece pensar que ganhou a eleição contra Barack Obama (contra quem nunca concorreu), confundiu a Hungria com a Turquia e tem chamado “húmus” ao movimento islamita Hamas. É uma coleção de momentos constrangedores que começa a colocar em foco algo que até agora só tinha importunado Biden: a idade.
“Vai ser um grande problema para ambos. Ser candidato a presidente é fisicamente esgotante”, disse ao DN o professor de Ciência Política Brian Adams, da Universidade Estadual da Califórnia, em San Diego.
Donald Trump tem 77 anos e Joe Biden 80. São os candidatos mais velhos de sempre à presidência dos Estados Unidos. Uma questão que está na linha da frente para os eleitores, especialmente do lado democrata. Uma sondagem recente da NBC News indicava que 59% dos eleitores têm grandes preocupações quanto às aptidões físicas e mentais de Joe Biden devido à sua idade. Isto junta-se a uma taxa de popularidade constantemente baixa, em torno dos 40%-43%.
“Não é que Biden tenha demonstrado estar muito envelhecido. Os democratas receiam que ele não consiga liderar uma campanha tão vigorosa quanto alguém mais novo e a sua saúde pode deteriorar-se no próximo ano”, frisou Brian Adams. “E uma vez nomeado, não pode ser substituído.”
Para Thomas Holyoke, cientista político da Universidade Estadual da Califórnia, em Fresno, Joe Biden terá de arranjar maneira de lidar com a questão da idade para que a sua campanha consiga ter sucesso. “Se Trump for o nomeado, no mínimo tem de garantir que as pessoas percebem que Donald Trump só tem menos três anos do que ele”, vinca o professor. “Se dizem isso sobre Biden, têm de dizer o mesmo sobre Trump também. É uma abordagem algo destrutiva, mas Biden tem de convencer as pessoas de que está à altura de ser presidente durante mais quatro anos.”
O tópico da idade domina boa parte das conversas sobre as presidenciais também pelos desafios com que o próximo presidente terá de lidar. A economia norte-americana está em franca recuperação, mas as cicatrizes da inflação elevada ainda estão frescas e há pessimismo quanto ao futuro. Duas guerras arrasam os territórios da Ucrânia e Gaza, e os Estados Unidos comprometeram-se com enormes ajudas financeiras em ambos os casos, que podem não conseguir honrar. Um Congresso dividido e cisões dentro dos partidos em relação a estas matérias configuram um mandato difícil para a pessoa que vencer as eleições dentro de exatamente um ano: 5 de novembro de 2024.
Outra vez a economia?
Está gasta a frase com que James Carville, estratega da campanha presidencial de Bill Clinton em 1992, resumiu o que motiva os cidadãos na noite eleitoral: “É a economia, estúpido.” É uma simplificação que acaba quase sempre por estar certa.
“Tipicamente, uma eleição presidencial ganha-se dependendo de como as pessoas se sentem em relação à economia, e ainda há potencial para que isso também aconteça nesta”, frisou Thomas Holyoke. “Habitualmente, é a perceção das pessoas da economia que faz toda a diferença. É importante frisar perceção porque, de acordo com a maioria dos indicadores, a economia americana está em boa forma.”
O invulgar neste momento é haver uma aparente contradição entre o estado da economia e o que os eleitores pensam sobre ela. Os números divulgados pelo Departamento de Comércio mostraram um crescimento extraordinário de 4,9% do Produto Interno Bruto (PIB) no terceiro trimestre, mais do dobro do que no período anterior e bem acima do que os analistas previam. A inflação caiu para menos de metade em três meses, passando de 9,1% em junho para 3,7% em setembro. O desemprego mantém-se abaixo dos 4%, tendo passado de 3,8% em setembro para 3,9% em outubro – um ligeiro aumento, que, ainda assim, mostra uma situação de pleno emprego.
Embora as taxas de juro tenham aumentado de forma vigorosa nos últimos 10 meses, uma estratégia da Reserva Federal para domar a inflação, não houve uma contração do consumo e os receios de recessão desvaneceram-se. Em comparação com outras economias ocidentais, esta é uma história de sucesso num tempo recorde. Mas não é assim que os eleitores a veem.
“A estratégia de Biden tem sido tentar convencer o público americano de que fez coisas incríveis pela economia e ela está em boa forma”, apontou o professor Brian Adams. A campanha do presidente cunhou até a expressão “Bidenomics” para demonstrar que as suas políticas funcionaram.
“Penso que vai ser muito difícil, porque a maioria dos americanos não sente que a economia está particularmente boa. Podemos discutir se essa perceção é ou não correta, mas o facto é que é um argumento difícil de vender”, continua o académico.
As sondagens espelham isso mesmo. Uma pesquisa da CNN mostrou que 51% dos inquiridos pensam que a economia está a piorar, apesar de melhorias consistentes todos os meses. Outra pesquisa da Associated Press/NORC indicou que sete em cada 10 americanos classificam o estado da economia como mau.
Numa peça em que o LA Times escreveu que “raramente a economia esteve melhor”, o economista Justin Wolfers, da Universidade do Michigan, não deixou margem para dúvidas: “A economia está boa. Ponto final. Essa é a história.” Mas tentar convencer as pessoas de que aquilo que sentem na carteira não corresponde à verdade é delicado.
“É uma situação estranha. Se Biden não conseguir sacudir essa perceção equivocada sobre o seu desempenho económico, vai ter um problema sério”, vaticinou Thomas Holyoke.
O impacto das guerras
Os ataques terroristas do Hamas a Israel a 7 de outubro desencadearam uma nova guerra no Médio Oriente, com milhares de mortos e uma incursão terrestre em Gaza. A Administração Biden posicionou-se firmemente ao lado de Israel, o que causou cisões dentro do partido democrata e originou críticas de vários congressistas, como Rashida Tlaib, Cori Bush e Ilhan Omar. A posição é menos consensual do que o apoio à Ucrânia, invadida pela Rússia a 24 de fevereiro de 2022. Mas questões internacionais raramente influenciam os eleitores, salvo se tiverem efeitos internos.
“Tradicionalmente, em eleições presidenciais, a política externa não tem um papel relevante”, salientou o professor Brian Adams. “As políticas económicas e sociais domésticas é que irão decidir esta eleição.”
Thomas Holyoke também aponta para este facto, lembrando que a própria guerra na Ucrânia não deverá ter impacto. Embora Israel tenha um papel forte na forma como os americanos pensam em assuntos internacionais, Biden, Trump e a maioria do Congresso assumiram as posições tradicionais de apoio.
Tal poderá complicar-se se a opinião pública azedar com o cerco de Israel a Gaza e o agravamento da catástrofe humanitária. Antes disso, será preciso resolver o impasse no que toca aos pacotes de ajuda financeira que o presidente Biden quer fazer passar no Congresso. A maioria republicana na Câmara dos Representantes, com um líder novo em folha – Mike Johnson -, não está inclinada para continuar a ajudar a Ucrânia, mas quer apoiar milhões para enviar a Israel. São questões que podem levar a uma paralisação do governo federal se não houver acordo orçamental aprovado na Câmara (liderada pelos republicanos) e no Senado (liderado pelos democratas). E isso será mau para a economia, que é a bússola dos vitoriosos em noites eleitorais.
Prisão ou Casa Branca
Os obstáculos no caminho de Joe Biden – baixa popularidade, perceção negativa da economia e idade avançada – são bastante diferentes dos problemas que o candidato rival enfrenta. Donald Trump, que também regista níveis muito baixos de aprovação, está numa espécie de porta giratória do sistema legal. O ex-presidente terá quatro julgamentos criminais em várias jurisdições e corre o risco de ser preso no caso de uma condenação. Não há precedente para esta situação e os próprios analistas constitucionais dividem-se quanto ao que fazer se ele for condenado e eleito presidente.
“Os vários julgamentos de Donald Trump são imponderáveis, porque este é um caminho que nunca trilhámos”, salientou Thomas Holyoke. “Em especial porque não sabemos o que acontecerá se ele estiver preso ou se for considerado culpado num dos julgamentos criminais.”
O primeiro vai acontecer a 4 de março de 2024, em Washington, e refere-se à acusação de interferência eleitoral, relacionada com a tentativa de subverter a vitória de Biden em 2020. O segundo julgamento está marcado para 20 de maio de 2024 e abrange 40 acusações relacionadas com a remoção e retenção ilegal de documentos classificados, que foram encontrados em Mar-a-Lago depois de repetidas tentativas do FBI de os recuperar. Trump terá ainda de responder às 34 acusações em Nova Iorque por causa do esquema ilícito de pagamento a Stormy Daniels, com a próxima audiência em tribunal a 4 de janeiro de 2024, e enfrenta uma acusação maciça na Geórgia, juntamente com 18 outros coarguidos, devido a um alegado esquema organizado de coerção para subverter os resultados eleitorais naquele Estado. A data do julgamento ainda não foi marcada.
“Há vários anos que se diz que estas coisas vão voltar para assombrar Trump, e isso ainda não aconteceu”, notou Brian Adams. A sua base continua leal e as sondagens das primárias republicanas mostram uma sólida vantagem de Trump contra os múltiplos oponentes. Se tudo continuar assim, Trump será o nomeado republicano antes mesmo de ser julgado.
Mas o professor Adams arrisca que esta qualidade “teflon” de Trump, a quem nada parece colar, pode deteriorar-se junto do eleitorado. “Para os eleitores independentes, uma condenação vai ter mais impacto do que uma alegação”, referiu, salientando que “os eleitores independentes irão decidir a eleição.”
O que dizem as sondagens
É neste contexto que as primeiras sondagens sobre uma hipotética revanche Biden-Trump mostram ou um empate ou vantagens curtas de um sobre o outro. Uma pesquisa da YouGov, esta semana, colocou Biden e Trump com 42% cada um e outra da American Pulse Research & Polling também deu a ambos 39%. A sondagem da Quinnipiac University apontou para uma ligeira vantagem de Biden (36% contra 35%) e outra da Redfield & Wilton Strategies pôs Trump acima de Biden, mas apenas por 2 pontos percentuais (40%-38%).
Embora os analistas políticos concordem que será uma corrida renhida, avisam que é muito cedo para levar estes números a sério. “Sondagens conduzidas a um ano das eleições são bastante insignificantes. Não lhes dou muito crédito”, afirmou Brian Adams. “Creio que a corrida entre Biden e Trump vai ser muito apertada, porque os independentes não gostam de nenhum dos dois.”
Isso ajuda a explicar porque é que Bobby Kennedy, sobrinho do ex-presidente John F. Kennedy, que corre como independente, aparece com 22% nesta corrida a três.
“O eleitor normal não está a prestar atenção suficiente neste momento e o nome, no caso dele, importa”, apontou o académico. E considera “um grande erro” os democratas apoiarem Biden e não terem alternativas, acreditando que o aborto “vai ser um fator na eleição presidencial” e considerando que o tiro vai sair pela culatra a Trump se continuar a criticá-lo por ser velho.
“É uma péssima ideia os republicanos atacarem tanto Biden pela sua idade, porque os cidadãos seniores são o grupo que vota em percentagens mais elevadas”, notou. “Atacar constantemente alguém por ser velho pode não cair bem aos eleitores idosos.” Além disso, lembrou, “Trump não é propriamente um frango de primavera”.
Fonte: dn.pt