Guerra de propaganda: Israel contra-ataca após Hamas marcar pontos ao libertar reféns

Uma das reféns libertadas na segunda-feira à noite falou do "inferno" do rapto, mas disse ter sido bem tratada pelos captores e ainda apontou o dedo à liderança israelita. Netanyahu diz que terroristas palestinos são "os novos nazis", procurando que o mundo não esqueça as atrocidades cometidas no dia do ataque.

A libertação de mais duas reféns pelo Hamas, alegadamente por motivos humanitários, já era um golpe contra Israel em plena guerra de propaganda. Lembrava ao mundo (e aos israelitas que aguardam por notícias dos seus familiares raptados) que enquanto prosseguem os bombardeamentos e milhares de soldados continuam às portas da Faixa de Gaza, à espera das ordens para a invasão terrestre, há duas centenas de pessoas que sobreviveram ao ataque de 7 de outubro, que fez 1.400 mortos em Israel, e cujas vidas podem alegadamente ser salvas através do diálogo – que está sendo feito pelo Qatar e pelo Egito.

Mas ver uma dessas reféns, uma avó de 85 anos, cumprimentar um dos captores antes de entrar para a ambulância que a levou de volta a Israel e dizer aos jornalistas que, depois do “inferno” do rapto, foi bem tratada em Gaza, foi melhor do que o Hamas podia esperar. Especialmente porque essa mesma avó não hesitou em culpar as autoridades israelitas pelo que aconteceu no dia em que foi levada. E nem as comparações entre o grupo terrorista palestino e os nazis, feitas pelo primeiro-ministro Benjamin Netanyahu ao lado do presidente francês, Emmanuel Macron, chegaram para suavizar a derrota nesta batalha.

Na guerra de propaganda, o Hamas ganhou com a libertação das reféns israelitas, que tinham sido levadas do kibutz de Nir Oz. Uma delas, Yocheved Lifshitz, de 85 anos, falou aos jornalistas. A conferência de imprensa no hospital foi apelidada por muitos em Israel como um “desastre” de relações públicas, já que Lifshitz descreveu o cuidado que os seus raptores tiveram com ela e com outros reféns do seu grupo, incluindo visitas do médico a cada dois ou três dias, e não poupou críticas às autoridades israelitas.

Lifshitz contou que a pior parte foi o momento do rapto, quando os terroristas entraram de rompante no kibutz – onde mataram quase metade dos 400 residentes. “Passei por um inferno que nunca tínhamos imaginado”, contou, com a ajuda da filha, criticando as autoridades israelitas por não saberem nada dos planos do Hamas. “Fomos bodes expiatórios”, referiu, dizendo que tinha havido sinais mas que os militares não lhes deram atenção. “Um enxame de pessoas veio pela cerca. Custou milhões e não ajudou, nem um pouco”, disse, notando que os terroristas simplesmente rebentaram com ela e invadiram o kibutz.

“Fui levada, com as minhas pernas para um lado e a cabeça para o outro” de uma moto, explicou, dizendo que os raptores lhe roubaram os pertences e lhe bateram com canas. “Não me partiram as costelas”, mas “magoaram muito e tornaram difícil respirar”. Lifshitz foi levada junto com o marido, Oded, de 83 anos, mas ambos foram separados e ela não voltou a vê-lo. Dentro dos túneis que existem sob Gaza, caminhou “durante quilômetros”, no que apelidou de uma “teia”, até um local onde estavam outros 25 reféns.

“Disseram-nos que acreditavam no Alcorão e que não nos iam fazer mal, que nos dariam as mesmas condições que têm nos túneis”, contou, explicando que comiam o que eles comiam, falando de uma refeição de pão, queijo e pepino. Disse ainda que estava tudo preparado para eles, que até tinham xampu e condicionador e que desinfetavam as casas de banho. Os reféns tentavam falar com os raptores, mas recusaram discutir questões políticas.

No vídeo da sua libertação, divulgado pelo Hamas, Lifshitz apertou a mão a um dos raptores antes de entrar na ambulância, dizendo-lhe “shalom” – a palavra significa paz e que pode ser usada tanto para dizer olá como adeus. Questionada sobre esse gesto, lembrou que os reféns foram tratados com “sensibilidade”.

Um dos netos tinha contado à Reuters que os avós eram ativistas pela paz, transportando regularmente pacientes desde Gaza para os hospitais israelitas. Um dos filhos disse depois das críticas da conferência de imprensa que a mãe tinha dito o que pensava e nunca diria algo que lhe dissessem para dizer. A outra refém libertada, Nurit Cooper, de 79 anos, não falou.

“Terror psicológico”

Israel agradeceu ao Egito pelo papel que teve na libertação das reféns, com o porta-voz das Forças de Defesa, o contra-almirante Daniel Hagari, lembrando que há ainda mais 220 pessoas nas mãos do Hamas, incluindo os maridos de ambas as libertadas. Sobre o vídeo de propaganda da libertação, disse que é preciso não confundir as coisas. “Isto é parte do terror psicológico que o Hamas usa para mostrar que alegadamente é uma organização humanitária”, afirmou. “É um vídeo cínico e não nos irá fazer esquecer o 7 de outubro”, referiu.

Pouco antes de as duas reféns serem libertadas, Israel chamava um grupo de jornalistas estrangeiros para mostrar um vídeo do que diz serem as câmeras usadas pelos terroristas no dia da operação surpresa. Foram mostrados “43 minutos de horror”, incluindo imagens de tortura e decapitações, segundo os presentes. O objetivo do governo foi acabar com “um fenômeno semelhante à negação do Holocausto que está acontecendo em tempo real”, para que as pessoas não esqueçam as atrocidades cometidas.

Além disso, já depois da conferência de imprensa de Lifshitz, o governo israelita enviou uma mensagem aos jornalistas comparando o Hamas aos nazis, relatou o jornal Times of Israel. “Tal como os nazis fizeram visitas planejadas e encenadas para a Cruz Vermelha a um campo de concentração ‘limpo’, para enganar o mundo e apresentarem-se como humanos, também o Hamas o faz; enquanto massacra bebês, viola mulheres e dispara contra crianças, tenta apresentar-se como humano ao libertar alguns reféns que parece ter tratado bem”, dizia a mensagem com a indicação que devia ser atribuída a “fontes diplomáticas”.

O texto insistia na ideia de que “o mundo não pode acreditar na propaganda do Hamas”, que este “é pior do que o Estado Islâmico” e que eles “são os novos nazis”. Essa mesma ideia foi passada durante a manhã por Netanyahu a Macron, o último líder a visitar Israel para reiterar o seu apoio aos israelitas. O primeiro-ministro apelidou a guerra contra o Hamas de uma guerra “entre a barbárie e a civilização” e lembrou que, na II Guerra Mundial, o mundo apoiou a resistência francesa contra os nazis, tal como hoje “está unido ao lado de Israel”.

Netanyahu insistiu: “A barbárie do Hamas ameaça a Europa e ameaça o mundo. O Hamas é um caso de estudo do mundo contra a barbárie. O povo de Israel recusa ter um enclave do Estado Islâmico na sua fronteira. Este não é um enclave a centenas de quilômetros da Europa. É o Estado Islâmico nos subúrbios de Paris.” E reiterou que “ninguém pode viver assim”.

Macron disse que a França “está preparada para que a coligação internacional contra o Estado Islâmico”, da qual faz parte para operações no Iraque e na Síria, “possa também combater o Hamas” – mais tarde o Eliseu explicou que a ideia é que a coligação sirva de exemplo para o que se pode fazer. O presidente francês reiterou que o terrorismo é o “inimigo comum” da França e de Israel.

Macron esteve depois em Ramallah, onde se encontrou com o líder da Autoridade Palestina, Mahmud Abbas. Algo que os outros líderes mundiais ainda não tinham feito. O presidente francês lembrou que o ataque do Hamas contra Israel “é uma catástrofe também contra os palestinos”, lembrando que “nada pode justificar o sofrimento” dos civis em Gaza. Abbas pediu-lhe que detenha a “agressão” de Israel.

Fonte: Dn.pt por susana.f.salvador@dn.pt

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