E se fechássemos as redes sociais para salvar a democracia?

As dificuldades da democracia num mundo em convulsão foi o tema da quinta Conferência do Casino. À conversa estiveram o britânico Martin Wolf e o português Pedro Brinca.

Martin Wolf foi a estrela de mais uma conferência do Casino, que decorreu na última 2.ª feira na Fundação Champalimaud, em Lisboa, e não defraudou as expectativas dos que ali se deslocaram. Interpelado pelo professor da Nova SBE, Pedro Brinca, o jornalista britânico, colunista do Financial Times e autor do livro A Crise do Capitalismo Democrático (edição Gradiva) glosou durante quase duas horas o tema proposto pela organização, “Democracia, Autocracia e Caos”. Entre outras declarações impactantes, afirmou que “se pudesse fechava completamente as redes sociais porque, neste momento, a polarização de opiniões que promovem é uma ameaça para a democracia.”

Filho de judeus obrigados a deixar a Áustria no tempo de Hitler, Wolf, que se assume como um “pessimista convicto”, disse ter começado a trabalhar neste livro em 2016, quando a eleição de Donald Trump, nos Estados Unidos, e a votação a favor do Brexit, no seu próprio país, lhe deram a sensação de “estar no final da República romana.” Mas acrescenta: “Apesar de tudo, Trump conseguiu ser muito pior do que alguma vez pensei. Nem nos meus piores sonhos ele ousaria questionar o resultado eleitoral e incentivar a tomada de assalto do Capitólio.” Wolf considera, no entanto, que há lições para o futuro a retirar de tão funestos acontecimentos: “Não podemos perder de vista que quem elegeu Trump não foram os muito pobres, dependentes de apoios estatais, nem os muito ricos, que são uma minoria, mas uma classe média muito assustada por uma sociedade e uma economia em mudança, que culpa a finança, os estrangeiros, a classe política de Washington pelos seus problemas. De algum modo, ele fê-la acreditar que conseguiria devolver à indústria norte-americana a pujança dos anos 1950 e 1960. É claro que isso não aconteceu.”

Em foco esteve também a China e a desaceleração da sua performance económica. Para o conferencista, as contradições do capitalismo de Estado naquele país sempre existiram, mas tornaram-se ainda mais gritantes nos últimos vinte anos, quando “as exigências de uma sociedade baseada na inovação tecnológica começaram a chocar de frente com o sistema de partido único.” Quanto à Europa, Wolf vê com muita preocupação a emergência dos extremismos e as tentações autocráticas: “Não podemos dar por garantida a democracia, as nossas liberdades e direitos individuais. Foi algo que demorou dois séculos a construir e que exigiu muitos sacrifícios a muita gente. Mas é muito mais frágil do que supomos porque depende de muitos equilíbrios e compromissos.” E concretizou: “Só estamos perante uma democracia saudável quando os votantes nos partidos derrotados numa eleição não se sentem ameaçados nos seus direitos e estilo de vida.” Por outro lado, acrescentou, “existem na Europa demasiados políticos que se comportam quase como senhores absolutos porque têm o poder durante algum tempo, poder esse que lhes foi conferido nas urnas. Isso não é Democracia. É autocracia com outro nome.”

Com esta quinta Conferência, encerrou-se um ciclo de conversas, iniciado em maio, promovido pelo Círculo Eça de Queiroz, Grémio Literário e Centro Nacional de Cultura. Em foco estiveram temas como a guerra na Ucrânia, a inteligência artificial e a arte, o futuro da União Europeia e a (des)globalização. O que talvez ninguém imaginasse, no princípio deste ciclo (ou há três semanas, como frisou Leonor Beleza, presidente da Fundação Champalimaud na abertura desta conferência) é que à guerra da Ucrânia se somaria o reacender do velho conflito entre Israel e os palestinianos.

Fonte: dnot@dn.pt

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