Faixa de Gaza, Cisjordânia e Líbano: uma guerra com três frentes para Israel

Enquanto preparam a anunciada incursão terrestre no enclave palestiniano, as forças israelitas têm também que lidar com o aumento da tensão nos territórios ocupados a leste e com a ameaça do Hezbollah vinda do norte.

A Faixa de Gaza, controlada pelo grupo terrorista palestiniano do Hamas, é o principal alvo de Israel, sendo palco de bombardeamentos constantes e pequenas incursões militares – enquanto não chega a anunciada invasão terrestre de larga escala. Mas as atenções das Forças de Defesa de Israel (IDF, na sigla em inglês) dividem-se com outros dois focos de tensão, que a qualquer momento podem fazer deteriorar ainda mais a situação: a Cisjordânia e o Líbano.

Os raides israelitas na Cisjordânia ocupada têm sido diários desde que, a 7 de outubro, militantes do Hamas lançaram uma operação surpresa contra Israel, matando 1400 pessoas e levando mais de 200 como reféns. Na madrugada de ontem, segundo os palestinianos, as forças israelitas entraram no campo de refugiados de Jalazone, perto de Ramallah, matando pelo menos duas pessoas e detendo cerca de 20 pessoas. Em toda a Cisjordânia, terão sido detidas pelo menos 120 pessoas só nessa noite, sendo que quase uma centena terão morrido desde o ataque do Hamas.

Com os palestinianos já detidos na Cisjordânia, além dos trabalhadores oriundos de Gaza que estavam fora desse território e que deteve logo após o ataque de 7 de outubro, Israel já terá quase duplicado o número de palestinianos presos. Uma das exigências do Hamas para libertar os mais de 200 reféns que fez no dia do ataque surpresa passa pela libertação dos presos, sendo que se estimava na altura que seriam menos de seis mil e agora já serão mais de dez mil, de acordo com os palestinianos.

Ao contrário da Faixa de Gaza, controlada pelo Hamas desde 2007, a Cisjordânia é um território ocupado desde a guerra de 1967, com algumas áreas controladas pela Autoridade Palestiniana, liderada por Mahmud Abbas. Este tem condenado os ataques israelitas a Gaza, mas as suas forças de segurança têm também contido os protestos e as manifestações contra Israel. Além disso, a Fatah de Abbas (rival do Hamas) não emitiu qualquer apelo à resistência armada.

O problema é que também tem vindo a subir o tom da contestação contra o próprio líder da Autoridade Palestiniana, de 87 anos, já que não há eleições há anos. E caso ele perca o controlo da situação, Israel poderá ver-se obrigado a intervir ainda mais do que agora – quando basicamente fechou todos os postos de controlo entre as cidades palestinianas. Na Cisjordânia ocupada, vivem cerca de 500 mil israelitas em colonatos, que a comunidade internacional considera ilegais.

A ameaça do norte

A situação para Israel é mais complicada no norte do país, porque do outro lado da fronteira de 80 quilómetros de comprimento com o Líbano está o grupo xiita Hezbollah. Este tem intensificado os seus ataques contra alvos israelitas, usando mísseis antitanque, que por sua vez tem respondido na mesma moeda, havendo registo de pelo menos 40 mortos no Líbano (quatro deles civis, um deles um jornalista da Reuters).

A dúvida é saber se as trocas de tiros na fronteira servem apenas para distrair Israel e adiar os planos para a entrada na Faixa de Gaza ou se o Hezbollah, que é a maior força política no Líbano e tem um poderio militar acima do Hamas, poderá envolver-se na guerra. E o que pensa o Irão, que financia e fornece armas ao grupo xiita.

O primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, disse no domingo que o Hezbollah cometeria “o erro da sua vida” se entrasse agora em guerra com Israel, sendo que os analistas não excluem que isso possa acontecer se as tropas israelitas entrarem na Faixa de Gaza.

A última guerra entre Hezbollah e Israel, em 2006, terminou com 1200 mortos no Líbano (a maioria civis) e 160 em Israel (a maioria forças de segurança). A Organização Internacional para as Migrações estima que mais de 19 mil pessoas já saíram das suas casas no sul do Líbano, devido ao aumento da tensão na região, sendo que do lado israelita também houve ordens para retirada de algumas localidades.

Cinco mil mortos em Gaza

Sem esquecer a Cisjordânia ou o Líbano, o principal foco de Israel continua o Hamas. “Em breve vão ver a Faixa de Gaza por dentro”, “continuem a preparar-se”, a ofensiva “vai ser letal”. Os dias vão passando e o ministro da Defesa israelita, Yoav Gallant, vai repetindo aos soldados que tem visitado a mesma mensagem, fazendo crer que mais dia menos dia se irá confirmar a entrada em força no território palestiniano.

Esta segunda-feira, o Hamas anunciou entretanto a libertação de mais duas reféns – depois de mãe e filha norte-americanas, ainda na sexta-feira. O grupo terrorista, que está a negociar através do Qatar e do Egito, alega razões humanitárias para esta nova ação, mas com libertações a conta-gotas continua a pressionar Israel para atrasar a ofensiva terrestre. As libertadas são duas israelitas, Nurit Yitzhak e Yocheved Lifshitz, que o Hamas tinha dito no fim de semana que se tinha oferecido já para libertar, alegando que Israel tinha recusado. Netanyahu reagiu na altura falando em “propaganda mentirosa” e reiterando que continuará a fazer tudo para garantir que todos os reféns regressam a casa.

Para já, Israel prossegue os bombardeamentos. Segundo as contas das autoridades locais, isto é, do Hamas, já morreram mais de cinco mil pessoas nesses ataques israelitas desde 7 de outubro. Dois dias depois, Israel decretou o cerco total ao território, desligando a eletricidade e a água, e o combustível, que alimenta muitos geradores, está a escassear. Aos poucos, a ajuda humanitária vai entrando pela fronteira sul, com o Egito, mas em valores insuficientes para responder às necessidades dos dois milhões de palestinianos que estão impossibilitados de sair do território.

Para permitir a entrada de mais ajuda humanitária, a União Europeia está a equacionar pedir uma “pausa humanitária” – os líderes dos 27 vão discutir o tema na cimeira de quinta e sexta-feira. Os chefes da diplomacia europeus reiteraram ontem, após uma reunião em Bruxelas, que “Israel tem o direito a defender-se”, mas “de acordo com o Direito Humanitário Internacional”. Os EUA já disseram contudo ser contra um cessar-fogo, com o porta-voz do Departamento de Estado, Matthew Miller, a alegar que este “daria ao Hamas tempo para descansar, para se reabilitar e para se preparar para continuar a lançar ataques terroristas contra Israel”. O Conselho de Segurança das Nações Unidas deverá analisar de novo o tema na quinta-feira.

susana.f.salvador@dn.pt

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