Focado em desmantelar o Hamas, Israel tenta conter o Hezbollah e o Irã

A fuga dos palestinos para o sul da Faixa de Gaza continua, à medida que seguem os bombardeamentos e se aguarda uma eventual invasão terrestre por parte das forças israelitas. Na fronteira entre Israel e o Líbano, intensificam-se as trocas de tiros com os militantes xiitas apoiados pelo Irã e teme-se que a escalada do conflito arraste Teerã.

O primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, prometeu nesse domingo desmantelar “os monstros sangrentos” do Hamas na primeira reunião do Governo de emergência nacional. Mas enquanto a esperada invasão terrestre não avança na Faixa de Gaza e os palestinos continuam fugindo para o sul, a preocupação vira-se para a fronteira norte com o Líbano, onde têm se multiplicado as trocas de fogo entre as forças israelitas e membros das milícias xiitas do Hezbollah. O receio é que a escalada do conflito acabe por arrastar o Irã (que financia ambos os grupos) para a guerra.

“Não temos interesse numa guerra no norte, não queremos a escalada da situação”, disse o ministro da Defesa israelita, Yoav Gallant, num vídeo divulgado pelo seu gabinete enquanto visitava as tropas israelitas no sul. “Se o Hezbollah escolher o caminho da guerra, vai pagar um preço elevado… Mas se se contiver, respeitaremos a situação e vamos manter as coisas como estão, apesar de estarem a haver disparos de ambos os lados”, acrescentou. O receio é que a invasão a Gaza possa desencadear um envolvimento ainda maior do Hezbollah.

O grupo xiita libanês, que conta com o apoio do Irã tal como o Hamas, reivindicou a responsabilidade pelos ataques de domingo, que causaram a morte de pelo menos um civil em Israel. O Hezbollah usou mesmo mísseis antitanque contra alvos militares, enquanto o Hamas continuou lançando rockets a partir do Líbano. Desde o ataque-surpresa do grupo terrorista palestino, que deixou mais de 1.400 mortos em Israel no dia 7 de outubro, já morreram mais de dez pessoas no sul do Líbano (incluindo um jornalista da Reuters) e duas em Israel nestas trocas de fogo.

Neste domingo, o quartel-general da força de manutenção de paz das Nações Unidas no sul do Líbano (UNIFIL) foi atingido por um rocket, não sendo ainda claro de onde este teria partido. “O nosso quartel-general em Naqoura foi atingido por um rocket e estamos tentando verificar de onde partiu. Os nossos Capacetes Azuis não estavam nos abrigos na altura. Felizmente, ninguém ficou ferido”, disse a UNIFIL num comunicado partilhado nas redes sociais.

O risco na escalada do conflito, onde além do Hamas entre também o Hezbollah, é que o Irã possa decidir “envolver-se diretamente”. Teerã disse que não atacará se os seus interesses não forem atacados. “A frente de resistência pode defender-se a si própria”, indicou à Reuters a representação iraniana nas Nações Unidas, onde o Conselho de Segurança procura chegar a uma posição comum em relação ao conflito entre Israel e o Hamas.

Teerã avisa, contudo, que “ninguém pode garantir” o controle da situação se Israel invadir Gaza – tanto a Liga Árabe como a União Africana alertaram para o risco de “genocídio” nesse cenário. “Aqueles que estão interessados em impedir a expansão da guerra e da crise precisam impedir os atuais ataques bárbaros… contra cidadãos e civis em Gaza“, disse o chefe da diplomacia iraniano, Hossein Amir-Abdollahian, depois de um encontro com o emir do Qatar, xeque Tamim bin Hamad Al-Thani.

“Não podemos afastar que o Irã escolha envolver-se diretamente de alguma forma. Temos de nos preparar para todas as contingências possíveis”, disse à CBS o conselheiro de Segurança Nacional da Casa Branca, Jake Sullivan. “Esse é um risco do qual temos estado cientes desde o início”, acrescentou, lembrando que foi por isso que os EUA resolveram enviar rapidamente um porta-aviões para o Mediterrâneo (e já decidiram enviar um segundo).

Sem saída e à espera de ajuda

Na Faixa de Gaza, Israel vai dando novos prazos para que os palestinos fujam para o sul do território, mantendo os ataques aéreos, mas ainda sem avançar para a esperada invasão terrestre. Esta estaria prevista para o fim de semana que passou, mas, segundo as fontes do jornal New York Times, teve de ser adiada devido ao mau tempo. Este dificultaria a cobertura dada pelos pilotos israelitas e pelos operadores de drones aos militares no terreno, que terão como alvo a liderança do Hamas e a libertação dos cerca de 150 reféns.

Netanyahu reuniu-se neste domingo, pela primeira vez, com representantes das famílias dos israelitas que foram levados pelo Hamas, garantindo-lhes que a sua libertação é também um dos objetivos da operação militar. “As famílias pedem que se adote qualquer ação necessária contra os líderes do Hamas e contra os líderes dos países árabes que podem influenciá-los para conseguir a sua libertação imediata”, disse o porta-voz das famílias Dodi Zalmanovich, citado pelo jornal israelita Haaretz. “Garantiram-nos que um dos objetivos da guerra é trazê-los de volta a casa”, afirmou.

Em Gaza, a agência das Nações Unidas para os Refugiados Palestinos alertou para uma situação de “catástrofe humana inédita”, dizendo que “nem uma gota de água, nem um grão de trigo, nem um litro de combustível foi autorizado a entrar” desde o ataque do Hamas a Israel. Segundo as estimativas da ONU, pelo menos um milhão de palestinos já deixaram as suas casas, muitos deles procurando um local seguro no sul da Faixa de Gaza após os sucessivos ultimatos israelitas.

O secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, que nos últimos dias se multiplicou em contatos diplomáticos na região e nesta segunda-feira regressa a Israel, mostrava-se confiante de que seria possível negociar a entrada de ajuda humanitária pela fronteira de Rafah. Esta é a única que liga a Faixa de Gaza ao Egito e está fechada desde o ataque do Hamas a Israel. Pelo menos cinco aviões com ajuda já estão no Egito, com os bens à espera de autorização para seguirem para Gaza. Israel indicou ainda que restabeleceu a água ao sul do território palestino, depois de ter inicialmente cortado e imposto um cerco total.

Na fronteira de Rafah, mas do lado palestino, os cidadãos com passaporte estrangeiro se desesperam para conseguir sair. Os EUA e outros países ocidentais, entre os quais Portugal, disseram aos seus cidadãos para seguirem para o sul, para este posto fronteiriço, estando a negociar com o Egito e com Israel a saída dos seus nacionais. Mas os egípcios mantêm a fronteira fechada, impedindo quer palestinos quer estrangeiros de saírem. Alegadamente, o Cairo diz que só autoriza que saiam depois de a ajuda internacional entrar.

susana.f.salvador@dn.pt

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