Maior de vários grupos integristas palestinos, o Hamas – cujo nome é o acrônimo em árabe para “Movimento de Resistência Islâmica” – foi fundado em 1987 como uma ala política da Irmandade Muçulmana egípcia, na sequência da primeira Intifada, a revolta palestina contra a ocupação israelita da Cisjordânia e da Faixa de Gaza. A sua carta fundadora garante que o seu objetivo é destruir Israel.
Originalmente, o Hamas tinha um propósito duplo: a luta armada contra Israel, levada a cabo pela sua ala armada, as Brigadas Izzedine al-Qassam, e o apoio à população palestina, através de programas de apoio social.
Mas desde 2005, após a retirada israelita de Gaza e o desmantelamento dos seus colonatos naquele território, 38 anos após o terem ganho ao Egito na guerra do Yom Kippur, o Hamas passou também a ser um ator político. E começou logo por vencer as legislativas palestinas de 2006, reforçando na sequência o seu poder em Gaza, ao expulsar, após uma breve guerra civil, a rival Fatah, o movimento do presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas.
Desde então, já por várias vezes o Hamas entrou em conflito direto com Israel, que com o Egito mantém um bloqueio a Gaza, um pequeno território de 10 km por 40 km, onde mais de 2,3 milhões de pessoas vivem em condições muito difíceis, num esforço para pressionar a liderança do Hamas a parar os ataques, geralmente com rockets disparados contra território israelita.
O Hamas é considerado um grupo terrorista por Israel, pelos EUA, pela União Europeia e pelo Reino Unido, além de vários outros países. Inicialmente apoiado pela Síria, onde chegou a estar sediado o seu bureau político, o Hamas continuará a contar com o patrocínio do Irã e do grupo xiita libanês Hezbollah, mesmo que o apoio do Hamas aos rebeldes sunitas na guerra da Síria tenha esfriado um pouco essas relações. Hoje, o Qatar e a Turquia são dois aliados essenciais do Hamas.
O grupo é liderado desde 2017 por Ismail Haniyeh, de 61 anos, que nesse ano sucedeu a Khaled Meshal como chefe do bureau político. Mantendo a tradição de a liderança estar fora de Gaza, num esforço para tornar mais difícil a sua eliminação por Israel, Haniyeh opera desde 2020 a partir de Doha, no Qatar. Já a sua ala armada (as Brigadas Izzedine al-Qassam) é comandada desde 2002 por Mohammed Deif, cujo apelido significa “convidado” em árabe; num piscar de olho ao seu estilo de vida nômade para escapar das inúmeras tentativas de assassínio de que já foi alvo por parte de Israel.
Onda de ataques suicidas
O Hamas ganhou destaque na sequência da primeira Intifada, ao tornar-se o principal grupo palestino a se opor aos Acordos de Oslo, assinados em 1993 entre Israel e a Organização para a Libertação da Palestina (OLP), aliança de movimento que representava a maior parte dos palestinos.
Apesar de ter sido alvo de várias operações militares israelitas e da repressão por parte da Autoridade Palestina, o principal órgão governativo dos palestinos, o Hamas encontrou nos ataques suicidas uma forma de protesto. Foi responsável por vários ataques a bomba em veículos, que fizeram dezenas de mortos em Israel. Um método que reforçou após o assassínio por Israel do seu especialista na fabricação de bombas Yahya Ayyash, em dezembro de 1995.
Essa série de ataques suicidas é vista como uma das causas que afastaram Israel do processo de paz e levaram Benjamin Netanyahu – opositor aos Acordos de Oslo – ao poder pela primeira vez, em 1996.
Com a entrada nos anos 2000 e o fracasso dos esforços de paz do presidente dos EUA Bill Clinton na cúpula de Camp David, a que se seguiu pouco depois da segunda Intifada, o Hamas foi ganhando poder, com a Autoridade Palestina sendo alvo da repressão israelita que a acusa de apoiar os atentados. E ganhou o apoio da população também construindo clínicas e escolas, aproveitando o descontentamento dos palestinos com a AP, dominada pela Fatah de Yasser Arafat.
A vaga de ataques suicidas foi saudada por muitos palestinos, que viam no martírio destes homens uma forma de vingança, enquanto Israel prosseguia a construção de colonatos na Cisjordânia.
O ano de 2004 ficou marcado pelos assassínios, em março, do seu fundador e líder espiritual, o xeque Ahmed Yassin, e do seu sucessor, Abdul Aziz al-Rantissi, no mês seguinte, mortos por mísseis israelitas em Gaza. Em novembro do mesmo ano, morria o líder histórico Arafat e Mahmoud Abbas assumia a liderança da AP.
Abbas via o disparo de rockets contra Israel como contraproducente. Seguiu-se o choque em Gaza entre o Hamas e a Fatah na sequência da vitória dos integristas nas eleições de 2006.
No poder naquele território, o Hamas foi alvo de duras sanções, econômicas e diplomáticas, por parte de Israel e dos seus aliados ocidentais. Após expulsar definitivamente a Fatah, em 2007, o grupo viu Israel reforçar o bloqueio à Faixa de Gaza, enquanto os disparos de rockets por parte dos seus combatentes e os ataques aéreos israelitas contra o território iam continuando de forma intermitente. Em 2014, tiveram lugar os confrontos mais mortíferos, com mais de 2.200 mortos do lado palestino, incluindo mais de 1.400 civis, e, do lado israelita, 67 soldados e seis civis mortos.
E se em 2017 o Hamas procurou moderar a sua imagem, apresentando um documento no qual aceitava um estado palestino interino nas fronteiras de 1967, continua a se recusar reconhecer Israel.
Recorrentes esforços de reconciliação entre Hamas e Fatah têm falhado e a organização de eleições gerais palestinas tem sido sucessivamente adiada. Enquanto isso, a situação em Gaza vai se deteriorando para os seus residentes, com a economia em colapso e falhas no abastecimento de água, eletricidade e medicamentos. O ataque desse sábado foi o maior e mais inesperado alguma vez lançado pelo Hamas contra Israel.
Fonte: dn.pt