O Nobel da Medicina 2023 foi atribuído aos cientistas Katalin Karikó e Drew Weissman pelos seus estudos que permitiram o desenvolvimento de vacinas eficazes contra a covid-19. Na declaração de voto, a Academia Nobel afirmou: “As descobertas dos dois vencedores do Nobel foram fundamentais para o desenvolvimento de vacinas de mRNA eficazes contra a covid-19 durante a pandemia que começou no início de 2020. Através das suas descobertas inovadoras, que alteraram fundamentalmente a nossa compreensão de como o mRNA interage com o nosso sistema imunitário, os laureados contribuíram para a taxa sem precedentes de desenvolvimento de vacinas durante uma das maiores ameaças à saúde humana nos tempos modernos”. O presidente da assembleia-geral do Comité Nobel, Thomas Perelman, declarou mesmo que “as vacinas salvaram milhões de vidas e preveniram doenças graves em muitas mais”.
Katalin Karikó nasceu na Hungria e é especializada em Bioquímica. Trabalha na farmacêutica BioNTech e é professora da Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos. Ao longo da sua carreira académica, enfrentou vários desafios, como o ceticismo da comunidade académica, a despromoção no trabalho e até a ameaça de deportação pelas autoridades norte-americanas.
Weissman também trabalha na Universidade da Pensilvânia. Natural dos Estados Unidos, estudou Imunologia e Microbiologia.
Como nos explica Cecília Maria Arraiano, investigadora coordenadora, especializada em estudos de RNA e controlo da expressão génica do ITQB (Instituto de Tecnologia Química e Biológica / Universidade NOVA de Lisboa) “as vacinas de RNA, foram produzidas em tempo record e já salvaram milhões de vidas na pandemia covid-19. Mas esta eficácia foi antecedida por décadas de trabalho para se conseguir tornar as moléculas de mRNA invisíveis ao nosso sistema imunitário. Durante muito tempo esta investigação fundamental foi considerada de pouca importância, quase não era financiada, e só a persistência destes investigadores a tornou possível.” Para Cecília Arraiano, a atribuição do Nobel é da maior relevância e chama a atenção para uma tecnologia de futuro no combate a outras doenças igualmente ameaçadoras: “As vacinas de RNA mostraram ser altamente eficazes em proteger contra doenças, não contêm o vírus real, podem ser desenvolvidas mais rapidamente, e não afetam o nosso DNA (o nosso código genético). A mesma plataforma de RNA pode ser adaptada para combater diferentes vírus, o que significa que essa tecnologia pode ser usada para enfrentar futuras ameaças virais.”
Mas, como também explica, as vantagens da investigação básica em RNA não se aplicam somente em caso de nova epidemia: “Pode ser determinante também no desenvolvimento de novos medicamentos, alterar o desenvolvimento celular e envelhecimento); e também dar resposta a problemas de sustentabilidade, com implicações importantes em áreas como evolução, ecologia, controle de pragas e aumento de produção industrial por biologia sintética”. Muito há ainda para fazer e, com este prémio, surge o reconhecimento de que a “pesquisa de RNA é crucial para melhorar a saúde humana e entender melhor os sistemas biológicos, o que terá um impacto significativo no futuro.”
O diretor-geral da Organização Mundial da Saúde, Tedros Adhanom Ghebreyesus, já felicitou os dois cientistas por este Prémio: “As suas descobertas permitiram o desenvolvimento de vacinas de mRNA eficazes contra a covid-19. A dedicação à ciência ajudou a salvar vidas”, escreveu na sua conta da rede social X.
Para Cecília Arraiano, momentos como este, em que se fala mais de ciência, servem também para chamar a atenção da opinião pública e dos governos para o financiamento da Ciência: “É sempre um desafio, e tem diminuído nos últimos anos. Esperemos que o governo use agora oportunidades como o PRR para apoiar a investigação básica, e reduzir a multidão de investigadores portugueses em precariedade.”
As previsões dos especialistas incluíam na lista de favoritos para o Nobel da Medicina 2023 a investigação sobre as células imunitárias capazes de combater o cancro, o estudo da microbiota humana e os trabalhos sobre as causas da narcolepsia.
Recorde-se que o Prémio Nobel da Medicina começou a ser atribuído em 1901, depois de ter sido estabelecido pelo testamento de Alfred Nobel em 1895. Entre os vencedores, conta-se o português Egas Moniz, distinguido em 1949, pelo desenvolvimento de várias técnicas, algumas hoje polémicas, como a leucotomia pré-frontal, mais conhecida por lobotomia.
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