Portugueses são crentes no atlantismo, confiam nos EUA, mas querem UE mais assertiva

Edição Transatlantic Trends de 2023 analisa opinião pública dos Estados Unidos e do Canadá mais a de 12 países europeus, incluindo Portugal. Resultados são hoje debatidos em Lisboa no auditório da FLAD.

Entre 2022, ano em que a Rússia invadiu a Ucrânia e desencadeou uma reação de apoio do Ocidente a Kiev contra Moscou, e 2023 há diferenças nas principais ilações retiradas do Transatlantic Trends, um vasto estudo de opinião que abrange os Estados Unidos e o Canadá e uma dúzia de aliados europeus da América, incluindo Portugal. “A principal mudança a observar é a perceção dos desafios de segurança que os inquiridos consideram que o seu país enfrenta.

Apesar da guerra na fronteira oriental da UE, apenas os inquiridos de três países afirmam que a Rússia, ou a guerra entre Estados, é o desafio de segurança mais importante para o seu país. Em todos os outros países, destacam-se a alterações climáticas – o que é consistente com os anos anteriores – e a imigração, que se tornou muito mais importante aos olhos dos entrevistados desde 2022”, sublinha Gesine Weber, especialista em assuntos de Defesa e Segurança Europeia e que coordenou este Transatlantic Trends 2023 (TT23), da responsabilidade do German Marshall Fund.

A apresentação do TT23 em Portugal terá lugar hoje às 18h00, no auditório da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD) em Lisboa. Estarão presentes Gesine Weber, igualmente Pedro Magalhães, investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, e Raquel Vaz Pinto, investigadora do Instituto Português de Relações Internacionais da Universidade Nova, para uma leitura mais nacional dos resultados, mas também numa perspetiva comparativa. O TT23 é o segundo que inclui Portugal, graças ao apoio da FLAD: os outros 11 países europeus abrangidos são Alemanha, Espanha, França, Itália, Lituânia, Países Baixos, Polónia, Reino Unido, Roménia, Suécia e Turquia. Oito deles são simultaneamente membros da NATO e da UE (tal como Portugal) e a Suécia está perto de também preencher essa dupla condição, assim que houver luz verde para a sua entrada na Aliança Atlântica. Já Reino Unido (por causa do Brexit) e Turquia (que aguarda às portas da UE há décadas) fazem apenas parte da NATO.

Uma outra conclusão interessante do TT23 – que se baseia numa sondagem da Kantar Public realizada nos 14 países em meados de junho (em Portugal foram inquiridas 1500 pessoas entre os dias 15 e 27) – é a posição de liderança reconhecida aos Estados Unidos pelos respondentes dos dois lados do Atlântico, mesmo que com diferentes níveis de convicção, como nota Gesine Weber, contactada via mail pelo DN: “Os inquiridos nos Estados Unidos estão eles próprios muito mais confiantes de que os Estados Unidos são hoje o interveniente mais influente nos assuntos globais – 87% têm esta crença, em comparação com 62% dos inquiridos nos Estados-membros da UE. Apesar desta diferença, é importante notar que a ordem mundial ainda parece muito unipolar para uma clara maioria dos entrevistados em ambos os lados do Atlântico, com uma perceção clara da liderança dos EUA nos assuntos globais”.

Existem tradicionais diferenças de perceção geopolítica entre os dois lados do Atlântico, basta pensar como os europeus em geral reduziram o investimento em Defesa no pós-Guerra Fria e como têm sido os presidentes americanos – seja George W. Bush, que em 2006 promoveu os 2% do PIB como meta mínima, Barack Obama, que na Cimeira da NATO de 2014 em Gales trouxe de novo para a mesa essa percentagem, Donald Trump ou agora Joe Biden – a alertar sistematicamente para os riscos securitários. E essa diferença de perspetiva persiste, nomeadamente nas opiniões públicas, apesar do vasto consenso em relação à Rússia. “Os decisores políticos devem acompanhar de perto estas tendências. Isto é particularmente importante no que diz respeito às perceções de influência nos próximos cinco anos: os inquiridos dos EUA são muito mais propensos do que os inquiridos da UE a descrever os EUA como ator global proeminente (59% vs. 35%), e o facto de os entrevistados da UE verem o mundo a evoluir para a bipolaridade – ou, se tiverem menos de 25 anos, a evoluir para a multipolaridade – poderá levá-los a desafiar abordagens de política externa em que os governos europeus colocam todos os seus ovos no cesto da cooperação com os EUA”, realça Gesine Weber.

Uma das diferenças principais de pontos de vista entre os inquiridos dos Estados Unidos e os dos países europeus tem que ver com a China, em que se nota por parte dos americanos uma ideia clara de rivalidade, de certa forma em linha com a Administração Biden e anteriores, em contraponto com um certo desejo de cooperação nos europeus. Na análise introdutória do TT23, pode ler-se que “a atual opinião pública sugere que, apesar do esforço sem rival para contrariar a guerra da Rússia à Ucrânia, a relação transatlântica é percecionada como imprópria ou insuficiente para lidar com futuros desafios. Tal reflete o desejo em geral de melhorar a cooperação com a China em temas como o comércio, as novas tecnologias, e a gestão de crise, e a crença generalizada de que os governos nacionais não são líderes no combate às alterações climáticas”.

Entre os europeus, os portugueses destacam-se no sentimento pró-americano em termos gerais, aliás uma realidade já notada no Transatlantic Trends 2022, e isto sem prejuízo de um forte europeísmo. Como diz Raquel Vaz Pinto ao DN, “Portugal está entre os três países que melhor percecionam “a influência dos EUA nos assuntos globais” com 70% (pergunta 3) e que consideram os EUA “o país mais influente nos assuntos globais” (pergunta 1) com 68%.”. A investigadora do IPRI acrescenta que “esta perceção positiva pode estar relacionada com a liderança dos EUA relativamente à coligação de apoio à Ucrânia e à Administração Biden em geral (pergunta 10), pois ficamos em 2.º lugar depois da Polónia com 69% de aprovação da sua política externa. O que também é muito interessante é como esta avaliação é acompanhada por uma avaliação positiva “da influência da UE nos assuntos globais” (pergunta 4). Na verdade, com 85% é a avaliação mais positiva de todos os países inquiridos.”

Nação atlântica, terceiro país ainda no século XVIII a reconhecer a independência dos Estados Unidos, fundador na NATO em 1949, Portugal é um campeão do atlantismo e confrontada com a confirmação dessa realidade no TT23, Raquel Vaz Pinto comenta: “Não me surpreende de todo. Só se o resultado fosse o oposto. Ao longo de décadas as respostas dos portugueses a perguntas sobre o seu atlantismo são muito coerentes. Na prática, o facto histórico de sermos membros fundadores da NATO parece ser corroborado pela perceção positiva da comunidade transatlântica ao longo dos anos.”

Merecem também uma interpretação da académica portuguesa as respostas relativas à China: “A perceção dos inquiridos é complexa e muito interessante. Por um lado, temos uma perceção negativa quanto “à influência da China nos assuntos globais”» (pergunta 5) com 60% e quando questionados sobre “que atores serão mais influentes no mundo nos próximos 5 anos” (pergunta 2) 40% dizem os EUA e 28% a China (subindo 7 % relativamente ao ano passado). Quando olhamos para os resultados sobre a “perceção da relação entre Portugal e a China” (pergunta 18) 40% dos inquiridos consideram a China um parceiro, 23% um competidor, 8% um rival e 29% não sabem. No que toca às novas tecnologias 44% consideram a “maior cooperação” uma melhor abordagem ao invés das alterações climáticas e direitos humanos (pergunta 19) nas quais 56% e 63% consideram uma “abordagem mais dura” a melhor opção. Esta fotografia multifacetada necessita de ser mais bem trabalhada e analisada tendo em conta os desafios de política externa e interna de Portugal”.

As respostas dos portugueses aos diferentes assuntos (como a resposta muito crítica sobre o papel da Rússia) assume uma especial relevância se tivermos em conta que são os inquiridos que em maior percentagem (86%) afirmaram interessar-se pelos temas internacionais, seguidos pelos turcos (83%) e pelos polacos (76%). Entre os americanos a percentagem ficou-se pelos 62% e o valor mais baixo é o dos franceses, com apenas 59% a declararem-se interessados nos assuntos internacionais. Gesine Weber, questionada sobre esse interesse dos portugueses pelos grandes temas internacionais, responde: “Como não falo português, não posso acompanhar o debate português nem comentar a presença de temas relacionados com a política externa nos meios de comunicação social portugueses. De uma perspetiva estatística, o resultado rimou com as conclusões gerais sobre Portugal: em muitas questões, os inquiridos portugueses obtiveram as pontuações mais elevadas em termos de apoio a uma resposta específica”.

A necessidade de conhecer a opinião dos portugueses sobre a relação transatlântica e, também, sobre outros temas geopolíticos foi a motivação da FLAD para se associar a estes estudos do German Marshall Fund. Os resultados devem ser lidos por si só, mas sobretudo numa perspetiva comparativa. Como salienta a presidente Rita Faden, “com a inclusão de Portugal neste inquérito, a FLAD garante a representação da opinião pública portuguesa nos resultados e conclusões gerais a respeito da comunidade euro-atlântica. Além disso, queremos conhecer e dar a conhecer as posições dos cidadãos portugueses em matérias essenciais na política internacional e fazê-lo numa perspetiva comparada”. E acrescenta: “Conseguimos, por exemplo, comprovar que alguns dos pilares da política externa portuguesa estão alicerçados num forte consenso nacional. Mas também recolhemos dados relevantes para políticas concretas, como o apoio à Ucrânia, o relacionamento com a China e a cooperação entre democracias. Os portugueses estão entre os maiores defensores do envolvimento dos Estados Unidos na segurança e defesa da Europa, mas são também o grupo com maior percentagem de inquiridos a afirmar que a União Europeia deve fazer mais em matéria de segurança e defesa e preferencialmente em cooperação com parceiros.”

Há uma outra pergunta em que os portugueses se destacam, e neste caso pela negativa. Entre 2022 e 2023, a percentagem dos que responderam “excelente” ou “bom” ao estado da democracia no país, baixou de 65% (a segunda mais alta) para 51% (agora 6.ª posição). Também houve, note-se, quebra de valorização do estado da democracia na Suécia (mesmo assim líder em 2022 e 2023, com 72% e 66%), na Alemanha (de 57% para 51%) e em França (de 47% para 43%). Ora, aqui está um bom tema para Gesine Weber, Raquel Vaz Pinto e Pedro Magalhães também abordarem hoje ao final da tarde no auditório da FLAD.

leonidio.ferreira@dn.pt

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