O parlamento de Espanha inicia esta terça-feira a sessão de candidatura como primeiro-ministro do presidente do Partido Popular (PP, direita), Alberto Núñez Feijóo, com o próprio a reconhecer que não conta com os apoios suficientes para ser eleito.
A sessão terá pelo menos dois dias, mas deverá prolongar-se até sexta-feira, segundo as regras estabelecidas na Constituição espanhola.
Feijóo protagoniza o arranque da sessão parlamentar hoje, com uma apresentação, sem limite de tempo, da sua proposta de governo.
Seguem-se intervenções dos grupos parlamentares, com direito a resposta de Feijóo e contra resposta dos partidos.
A sessão de investidura só terminará na quarta-feira se Feijóo conseguir uma maioria absoluta de votos a favor, o que, segundo todos os partidos, incluindo o PP, não tem possibilidade de acontecer.
A Constituição espanhola estabelece que terá de haver por isso uma repetição da votação 48 horas depois, ou seja, na sexta-feira, precedida de novas intervenções de Feijóo e dos partidos, embora, desta vez, com limites de tempo.
Nesta segunda votação basta uma maioria relativa (mais votos a favor do que contra) para um candidato ser eleito primeiro-ministro, mas também este cenário é, pelo menos para já, quase impossível, como assume há semanas Alberto Núñez Feijóo.
O PP foi o partido mais votado nas eleições de 23 de julho e o Rei de Espanha, Felipe VI, indicou Feijóo como candidato a primeiro-ministro, cuja investidura tem de ser votada pelo parlamento.
O candidato conta até agora com o apoio de 172 deputados do PP, do VOX (extrema-direita) e de dois partidos regionais das Canárias e de Navarra, sendo que são necessários 176, pelo menos, para a maioria absoluta.
Assim, para ser eleito primeiro-ministro, Feijóo teria de contar, na segunda votação, a de sexta-feira, com a abstenção de deputados de outros partidos, todos eles de esquerda ou nacionalistas e independentistas da Catalunha, Galiza e País Basco.
Todos esses partidos disseram que vão votar contra a investidura de Feijóo e manifestaram disponibilidade para negociar com o partido socialista (PSOE), o segundo mais votado nas eleições, a viabilização de um novo governo liderado por Pedro Sánchez.
Se a investidura de Feijóo falhar, o Rei de Espanha poderá a seguir indicar novo candidato a primeiro-ministro, com Sánchez a afirmar repetidamente que está disponível e que tem condições para reunir os apoios necessários.
Esses apoios ao líder socialista passam por negociações com os independentistas catalães, que têm pedido uma amnistia para os condenados ou acusados pela justiça por causa da declaração unilateral de independência da Catalunha de 2017.
O foco do debate tem estado precisamente nesta questão e o próprio PP, reconhecendo as poucas possibilidades de chegar ao Governo, tem centrado já os discursos nas cedências de Sánchez ao separatistas e “na infâmia” de uma amnistia a pessoas que atentaram contra a integridade de Espanha, que desrespeitaram a Constituição e que terão nas mãos “a governabilidade” de um país de que não querem fazer parte.
“Ou amnistia ou Feijóo”, disse na segunda-feira a ‘número dois’ de Feijóo no PP, Cuca Gamarra.
Feijóo apelará hoje “de forma direta”, no parlamento, “à consciência” dos deputados de diversos partidos, disse Gamarra, seguindo declarações de dirigentes do PP nos últimos dias em que destacam que há entre os socialistas pessoas descontentes com a possibilidade da amnistia, como é o caso do ex-primeiro-ministro Felipe González, e que há deputados que estão ainda a tempo “de reconsiderar e refletir” sobre o seu voto.
Para marcar esta posição, o PP organizou no domingo um comício em Madrid que reuniu mais de 40 mil pessoas e que acabou por ser uma manifestação contra a amnistia e contra Sánchez.
O PSOE, pela voz da porta-voz do partido, Pilar Alegria, condenou que o PP queira chegar ao Governo com apelos “à traição” e considerou que as palavras de ordem na manifestação de domingo são as mesmas dos últimos 20 anos da direita espanhola sempre que há governos socialistas, com ameaças de que “Espanha se desintegra” que nunca se confirmaram.
Feijóo, “o político que não queria ser político” tenta chegar a primeiro-ministro
O líder do PP espanhol, Alberto Núñez Feijóo, que se diz um “político que não queria ser político”, ostenta no currículo um pleno de vitórias eleitorais, mas dificilmente chegará a primeiro-ministro na sessão de investidura que começa hoje.
Feijóo nasceu há 62 anos numa aldeia de 300 habitantes da Galiza e é licenciado em direito pela Universidade de Santiago de Compostela, na mesma região do noroeste de Espanha, na fronteira com o Norte de Portugal.
Depois da universidade, tornou-se funcionário público da Galiza e assumiu o primeiro cargo de nomeação política em 1991, numa Secretaria-geral do Governo Regional, embora só se tenha filiado no Partido Popular (PP, direita) no início deste século.
Tornou-se líder do PP na Galiza em 2006, depois de passar pela presidência da empresa Correios e de cargos políticos em Madrid, e em 18 de abril de 2009 assumiu pela primeira vez a presidência do executivo regional.
Feijóo manteve-se à frente do governo galego entre 2009 e 2022, ganhando sempre com maiorias absolutas todas as quatro eleições autonómicas a que se apresentou.
Lidera o PP nacional desde março de 2022 e desde então o partido, após um período de divisões internas, foi avançando nas sondagens e passou para a frente dos socialistas nas intenções de voto.
Sob liderança de Feijóo, o PP ganhou todas as eleições que houve em Espanha no último ano, incluindo com maioria absoluta em três regiões autónomas (Andaluzia, La Rioja e Madrid), as municipais de 28 de maio passado e as legislativas nacionais de 23 de julho.
As vitórias deste ano foram as primeiras do PP em eleições de âmbito nacional desde 2015 e Feijóo, que num vídeo para promover a sua candidatura a primeiro-ministro em julho passado se apresentou ainda como “um político que não queria ser político”, pode gabar-se de vários outros feitos eleitorais inéditos, como o de ser o primeiro líder do partido a vencer umas legislativas logo na primeira vez que se candidatou.
O PP teve também um aumento de votos em relação às eleições anteriores de 60% e passou de 89 para 137 deputados no parlamento, um crescimento para o qual os analistas só encontram paralelo nos anos de 1980, nas primeiras vitórias dos socialistas, então liderados por Felipe González, em quem Feijóo assume que chegou a votar.
Apesar destes resultados, Feijóo submete-se esta semana à votação do plenário dos deputados espanhóis como candidato a primeiro-ministro e reconhece há semanas que não tem os apoios suficientes para chegar ao cargo.
A vitória em 23 de julho ficou aquém das maiorias absolutas que sempre tinha conseguido na Galiza e, no parlamento nacional, o homem que chegou a Madrid com uma imagem de moderado e a querer afastar-se dos extremismos, acabou por ficar praticamente reduzido a um único aliado, o VOX, de extrema-direita.
Mesmo com o VOX e mais dois deputados de partidos regionais das Canárias e Navarra, Feijóo não chega ao número de deputados de que precisa para ser primeiro-ministro.
“Apresento-me para ser a alternativa serena que reclama a maioria dos espanhóis, à política de blocos que nos dividiu, para voltar a reunir Espanha em grandes pactos de Estado”, afirmou na véspera do arranque da campanha eleitoral, numa declaração em que prometeu “recuperar o sossego” do país e “deixar atrás confusões, sobressaltos e divisões”, por contraposição ao que considera ter sido a marca da gestão do socialista Pedro Sánchez à frente do Governo nos últimos cinco anos, em que dependeu de independentistas para tomar posse e aprovar leis.
Feijóo chegou à liderança do PP com uma imagem de moderado, de político de direita conservador e rigoroso com as contas públicas, mas com preocupações sociais e pouco ideológico, protagonista de grandes consensos por onde passou, capaz de cativar amplas manchas de eleitorado de centro, à direita e à esquerda.
Esta imagem foi porém sofrendo danos, sobretudo, nas semanas imediatamente anteriores às legislativas de julho, por causa dos acordos que o PP assinou com o VOX para coligações em governos regionais e em executivos de grandes municípios.
Feijóo chegou a admitir coligar-se com o VOX no Governo nacional, se dependesse do voto favorável dos deputados da extrema-direita para ser investido primeiro-ministro pelo parlamento, mas na campanha passou a pedir uma “maioria forte” para governar “sem depender dos extremos”, que “sabem bloquear, mas não sabem gerir nem sabem governar”.
“Talvez este processo de investidura não me leve à presidência [do Governo], mas vai levar à política nacional e ao Congresso dos Deputados a igualdade dos cidadãos, a dignidade das nossas instituições e as prioridades das famílias. E isto, penso que vale bem a pena”, afirmou em 31 de agosto, reconhecendo que se submete esta semana a uma tentativa de candidatura como primeiro-ministro que será, com quase certeza, falhada.