Papa ataca “fanatismo da indiferença” que mata migrantes no Mediterrâneo

Numa visita apostólica a Marselha, Francisco defendeu que "é um dever da humanidade" socorrer aqueles que correm o risco de se afogar e lembrou "vidas despedaçadas".

O Papa Francisco criticou ontem o “tráfico odioso e o fanatismo da indiferença” que provocam a morte dos migrantes, defendendo que “é um dever da humanidade” socorrer aqueles que correm o risco de se afogar quando tentam cruzar o Mediterrâneo. “Não nos habituemos a considerar os naufrágios como notícias de jornal e números. São vidas despedaçadas e sonhos desfeitos”, disse num momento de recolhimento junto ao memorial dedicado aos marinheiros e aos migrantes desaparecidos no mar, numa viagem apostólica a Marselha no meio de uma nova crise migratória na União Europeia.

A visita de Francisco a esta cidade francesa, a primeira de um Papa em quase 500 anos, é de apenas 27 horas. No avião, o Papa disse aos jornalistas que a viagem à cidade “que é a porta, a janela, do Mediterrâneo” será curta mas significativa. “Espero ter a coragem para dizer tudo o que quero dizer”, afirmou Francisco. Esta não é uma visita de Estado, mas uma visita apostólica, razão pela qual o próprio líder da Igreja Católica diz que não visita França, mas Marselha.

Hoje, o Papa participa no encerramento dos “Encontros do Mediterrâneo”, que reúnem bispos de 30 países desta região. “O problema que me preocupa é o problema mediterrânico. A exploração dos migrantes”, referiu Francisco ainda antes da viagem. O Papa fez da questão migratória uma das chaves do seu pontificado e esta viagem surge num momento em que o tema está de novo na ordem do dia, depois da chegada de milhares de pessoas em poucos dias à ilha italiana de Lampedusa, que levou a União Europeia a adotar um plano urgente para ajudar Roma a enfrentar o problema.

Na homenagem aos migrantes, o Papa defendeu ontem a necessidade de ação. “Diante de um tal drama, as palavras não servem para nada. São precisos atos”, afirmou, mesmo se antes é preciso “humanidade, silêncio, lágrimas, compaixão”. Segundo Francisco, “demasiadas pessoas que fogem dos conflitos, da pobreza, das catástrofes ambientais encontraram nas ondas do Mediterrâneo a rejeição definitiva da sua busca por um futuro melhor”, lamentando que “este magnífico mar” se tenha transformado “num cemitério” onde “só está enterrada a dignidade”.

Segundo a Organização Internacional para as Migrações, pelo menos 2762 pessoas morreram até ao final de agosto a tentar entrar ilegalmente na União Europeia. Quase 200 mil conseguiram chegar. O arcebispo de Marselha, cardeal Jean-Marc Noël Aveline, disse na cerimónia que quando morre um marinheiro ou um pescador no mar, é um drama para as famílias, mas isso faz parte dos riscos da profissão. “Contudo, quando homens, mulheres e crianças que não sabem nada de navegação e fogem da miséria, da guerra, são despojados dos seus bens por contrabandistas desonestos que os condenam à morte em embarcações obsoletas e perigosas, isso é crime”. E criticou as “instituições políticas” que proíbem as organizações não governamentais de socorrer os migrantes, dizendo que isso “é um crime e uma violação do mais elementar direito marítimo internacional”.

“Força dissolvente”

O secretário de Estado do Vaticano, o cardeal Pietro Parolin, defendeu que “todos os países europeus devem assumir juntos a responsabilidade pela situação no Mediterrâneo, longe dos slogans e da oposição, tendo em conta mais os rostos do que os números de um tema complexo e dramático”. Antes da visita do Papa, insistiu na necessidade de enfrentar os problemas “juntos e com uma visão de longo prazo, não apenas como emergências do momento que cada um tenta abordar seguindo os seus próprios interesses particulares”.

Numa entrevista ao jornal britânico The Guardian, o chefe da diplomacia europeia, Josep Borrell, considerou que este problema pode ser “uma força dissolvente para a União Europeia”, diante da incapacidade dos Estados-membros de chegarem a acordo sobre uma política comum. Borrell aponta o dedo às diferenças entre os 27. “Há alguns membros da UE que são do estilo japonês – não nos queremos misturar. Não queremos migrantes. Queremos a nossa pureza”. Depois há outros que têm a tradição de os receber – “O paradoxo é que a Europa precisa de migrantes por causa do baixo crescimento demográfico. Se queremos sobreviver do ponto de vista laboral, precisamos de migrantes.”

A Comissão Europeia anunciou ontem que irá enviar à Tunísia, nos próximos dias, a primeira tranche no valor de 127 milhões de euros do pacto migratório, que visa ajudar a lutar contra a imigração ilegal. A Tunísia é um dos principais pontos de partida das embarcações que trazem os migrantes para a Europa, a maior parte dos quais chegam a Itália – em especial à ilha de Lampedusa, que só em dois dias acolheu 8500 pessoas.

Fonte: dn.pt

Notícias Relacionadas
Continue Lendo
Rede Jovem News