Cazaquistão vai referendar central nuclear

Presidente Tokayev fez discurso sobre modernização da economia, mas sobre questão energética vai dar a palavra aos cidadãos. A memória dos testes durante a era soviética pode gerar algumas dúvidas sobre as vantagens do uso civil do nuclear, apesar de o país ser o maior produtor mundial de urânio.

No seu discurso do Estado da Nação, proferido no início de setembro e intitulado “Curso Económico para um Cazaquistão Justo”, o presidente Kassym-Jomart Tokayev falou da necessidade de diversificar a economia, com aposta na indústria, como forma de desenvolver aquele que é o nono maior país do mundo, mas geograficamente encravado entre a Rússia e a China. O presidente cazaque foi mesmo ao ponto de fixar em 6-7% anuais a taxa de crescimento económico estável vista como necessária para as ambições de melhoria de vida da população (cerca de 20 milhões de habitantes), mas o ponto mais quente do discurso teve que ver com a proposta de construção de uma central nuclear, no quadro da transição energética global. Um referendo será organizado antes da decisão final, o que mostra a sensibilidade do tema nuclear naquele país da Ásia Central, por causa das explosões realizadas na era soviética.

No seu discurso, Tokayev falou do compromisso do Cazaquistão para com a sustentabilidade e a proteção do ambiente, sublinhando que “a longo prazo, é inevitável uma transição global para a energia limpa”. Foram abordados planos para aumentar a capacidade das energias renováveis e desenvolver a produção de hidrogénio, e também a questão da construção de uma central nuclear.

Grande produtor de petróleo e gás natural, o Cazaquistão não deixa, por isso, de sentir necessidade de novas fontes de energia. Nesse sentido, a construção de uma central nuclear tem tanta lógica como a opção já feita pelos Emirados Árabes Unidos e em vias de ser feita pela Arábia Saudita, dois grandes exportadores de hidrocarbonetos. Mas para a população cazaque, a palavra nuclear está muito associada ao polígono de Semipalatinsk, no nordeste do país, onde Estaline testou em 1949 a primeira bomba atómica da União Soviética e no qual, até 1989, foram realizados mais de 400 ensaios atómicos e depois nucleares, de início à superfície e mais tarde subterrâneos. A decisão de encerrar o polígono foi uma das medidas mais emblemáticas de Nursultan Nazarbayev, pai da independência em 1991 e primeiro presidente do Cazaquistão. Até hoje, há vítimas da radiação e são muitas as associações na região de Semei, a cidade mais próxima, a trabalhar no sentido de contar a tragédia que ali aconteceu durante a Guerra Fria.

Significativamente, o Cazaquistão também decidiu renunciar ao arsenal nuclear herdado da URSS e fez do fim das armas nucleares uma das bandeiras da sua diplomacia, tanto sob Nazarbayev como agora com Tokayev.

Percebe-se assim a preocupação do presidente, que também está num processo de aprofundamento da democracia, de dar a palavra aos cidadãos, de forma a que as vantagens da central nuclear sejam debatidas e confrontadas com os receios.

Grandes economias como o Japão, que até sofreu os bombardeamentos de Hiroxima e Nagasaki e mais recentemente o acidente de Fukushima, e a França apostam no nuclear, alegando que é seguro e mais eficaz na busca do carbono zero do que outras energias alternativas, como a solar ou a eólica, mas, pelo contrário, a Alemanha decidiu fechar este ano as suas últimas duas centrais.

No caso do Cazaquistão, o país ser o maior produtor mundial de urânio, essencial para produzir energia nuclear, teve peso na proposta presidencial e deverá contar também para muita gente na hora de votar sim ou não.

Sobre este discurso do Estado da Nação, o embaixador cazaque em Portugal, Daulet Batrashev, diz que “o conteúdo e a natureza da nova mensagem correspondem plenamente à lógica das reformas presidenciais. Kassym-Jomart Tokayev está a implementar consistentemente um curso estratégico que visa reformar simultaneamente as esferas económica, política e ideológica. O discurso apresenta mais uma estratégia para o desenvolvimento da economia do Cazaquistão. Além disso, as iniciativas presidenciais constituem uma espécie de “mudança de jogo”, introduzindo novas regras para o funcionamento dos sectores económicos. Isto aplica-se tanto às mudanças nas relações no sistema de poder executivo, no centro e nas regiões, como à introdução de novas medidas de incentivos fiscais, regulamentação legal e interação com investidores.

Acrescenta o diplomata, que “chama especial atenção a proposta do Chefe de Estado de submeter a um referendo republicano a questão da construção de centrais nucleares, discutida na sociedade. Isto confirma o compromisso do Presidente com os princípios de um “Estado ouvinte” e de um “Cazaquistão Justo”. Em geral, no Discurso de dia 1 foram expressas mais de uma centena de ideias e propostas diferentes, que cobrem o leque máximo de áreas e formam um único complexo sistémico de reformas socioeconómicas”.

Fonte: dn.pt
Foto: © FLORENCE LO / POOL / AFP

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