Equador reforça segurança mas mantém presidenciais após morte de candidato

Fernando Villavicencio fazia campanha contra a corrupção e o narcotráfico. Foi morto com três tiros na cabeça após um comício em Quito, com o presidente a apontar o dedo ao "crime organizado".

O dia de ontem era suposto ser de festa no Equador, com a celebração dos 204 anos do primeiro grito de independência. Mas os festejos foram cancelados após o assassinato, na quarta-feira à noite, de um dos oito candidatos às eleições presidenciais de 20 de agosto. Fernando Villavicencio, de 59 anos, que fazia campanha contra a corrupção e o narcotráfico, foi morto com vários tiros, três deles na cabeça, após um encontro com apoiantes numa escola em Quito.

O presidente equatoriano, Guillermo Lasso, atribuiu o ataque a membros ligados ao “crime organizado”, declarou 60 dias de estado de exceção e três dias de luto nacional, mantendo a data prevista para as eleições. “Face à perda de um democrata e de um lutador, as eleições não se suspendem. Estas têm que se realizar e a democracia tem que se fortalecer. Esta é a melhor razão para ir votar e defender a democracia, a vida e a integridade da família equatoriana e o futuro do país”, disse Lasso. Quatro dos candidatos suspenderam contudo a campanha após o ocorrido, tendo todos condenado o assassinato.

Um dos suspeitos do ataque, do qual resultaram ainda outros nove feridos, foi atingido na troca de tiros com o pessoal responsável pela proteção do candidato, acabando por morrer já no hospital. Pelo menos outras seis pessoas foram detidas nas buscas entretanto feitas pelas autoridades.

Villavicencio, casado, com cinco filhos, tinha denunciado há várias semanas que era alvo de ameaças de morte, chegando mesmo a apontar o dedo ao líder do grupo criminoso Los Choneros, José Adolfo Macías ou Fito, com alegadas ligações ao cartel mexicano de Sinaloa. “Não tenho medo deles e reitero a minha intenção de criar uma prisão especial de altíssima segurança. Será uma das primeiras obras que faço, para transferir Fito”, que está detido, tinha dito o candidato. Entretanto, num vídeo partilhado nas redes sociais, alegados elementos de um grupo rival – Los Lobos, com supostas ligações ao Cartel Jalisco Nueva Generación -, reivindicaram o ataque. Mas aqueles que dizem ser os verdadeiros “lobos” vieram depois desmentir.

O estado de exceção, que Lasso declarou, implica a suspensão de vários direitos, como o direito à liberdade de reunião ou à inviolabilidade do domicílio. Mas também permite a mobilização das Forças Armadas a nível nacional, reforçando a segurança das eleições presidenciais e legislativas.

A morte de Villavicencio não foi a única a envolver políticos nos últimos meses, apesar de ser a mais notória. Em julho, foram assassinados, também a tiros, o autarca “incorruptível” de Manta, Agustín Intriago, quando visitava uma obra, e o candidato a deputado por Esmeraldas, Rider Sánchez, quando quatro homens lhe tentaram roubar o carro. De um modo geral, os homicídios estão a aumentar, tendo passado de 1088 em 2019 a 4761 no ano passado, com as autoridades a estimar que 80% destas mortes estejam relacionadas com o narcotráfico.

Quem era Villavicencio?

Apoiado pelos movimentos Construye e Gente Buena, ambos de Centro, Villavicencio foi o primeiro a anunciar a sua intenção de concorrer às presidenciais – o seu lema “É hora dos corajosos”. As eleições foram convocadas depois de Lasso, que enfrentava um processo de impeachment por alegado desvio de fundos, decretar a chamada “morte cruzada” em maio. Este mecanismo constitucional permite ao presidente dissolver a Assembleia, mas obriga também à sua queda e à convocação de eleições legislativas e presidenciais.

Em algumas sondagens, Villavicencio surgia em segundo lugar, atrás da favorita Luisa González, a candidata apoiada pelo ex-presidente Rafael Correa (exilado na Bélgica). O jornalista e ex-deputado ganhou nome precisamente graças a uma investigação jornalística que tinha como alvo Correa. O ex-presidente acabou por ser condenado à revelia a oito anos de prisão por causa disso. Villavicencio referia-se a ele como “o fugitivo”. E, na sua última entrevista, disse que ia apresentar mais provas sobre outro caso de corrupção ligado ao ex-presidente. “O nosso país é rico, não lhe falta dinheiro, sobram-lhe ladrões”, afirmou ao jornalista Carlos Vera.

A comunidade internacional condenou em uníssono o ocorrido. “Os EUA condenam este ato hediondo de violência e ataque à democracia equatoriana”, afirmou o conselheiro de Segurança Nacional da Casa Branca, Jake Sullivan, no Twitter. “Este trágico ato de violência é um ataque contra as instituições e a democracia do Equador”, disse, por seu lado, o chefe da diplomacia europeia, Josep Borrell. “Todos os candidatos devem se beneficiar de rigorosas medidas de proteção para garantir um processo eleitoral livre e democrático” e “os autores e organizadores deste atroz crime devem ser levados à Justiça”, acrescentou Borrell num comunicado.

Portugal, que numa primeira mensagem no Twitter tinha felicitado o Equador pelo seu Dia Nacional, lembrando que “para além dos laços bilaterais, a promoção do multilateralismo e a cooperação ibero-americana destacam-se nas relações” entre os dois países, repudiou “de forma veemente” o assassinato numa segunda mensagem. “Face a este ato hediondo, Portugal apela ao apuramento das responsabilidades e reitera o seu apoio a um processo eleitoral democrático e plural”, indicou o Ministério dos Negócios Estrangeiros.

Candidatos às presidenciais

A 20 de agosto, 13,5 milhões de eleitores são chamados às urnas para eleger o presidente, o vice-presidente e os 137 deputados do Equador. Há oito candidatos a chefe de Estado, sendo que com a morte de Fernando Villavicencio, o seu partido pode escolher um nome alternativo.

Luisa González: A favorita nas sondagens é a única mulher na corrida. A advogada e ex-deputada de 45 anos é a aposta da Revolução Cidadã (Esquerda) do antigo presidente Rafael Correa, a quem a Bélgica concedeu asilo e que foi condenado à revelia em 2020 por violação das leis de financiamento eleitoral.

Otto Sonnenholzner: O jornalista e economista de 40 anos, que foi vice-presidente de Lenín Moreno, tem o apoio da aliança Atuemos (centro-direita) e da Esquerda Democrática. É segundo nas sondagens.

Yaku Pérez: Em terceiro, mas em empate técnico com Sonnenholzner, está o líder indígena Kañari, de 54 anos, que surpreendeu ao ser terceiro nas presidenciais de 2021. É advogado e defensor dos Direitos Humanos, tendo sido também autarca. Concorre numa aliança indígena e de extrema-esquerda.

Xavier Hervas: Outro candidato do centro-direita (Movimento Renovação Total), o empresário de 50 anos também concorreu em 2021, então pela Esquerda Democrática. Está abaixo dos 10% das sondagens.

Daniel Noboa: O ex-deputado e empresário da indústria bananeira, de 35 anos, é filho do antigo candidato presidencial Álvaro Noboa (que concorreu a cinco eleições).

Jan Topic: Empresário franco-equatoriano, de 40 anos, foi nomeado pelo presidente como secretário de Segurança, mas as denúncias de que seria mercenário (serviu na Legião Estrangeira na Ucrânia, Síria e África) levaram Lasso a recuar. Tem apoio de partidos de Direita.

Bolívar Armijos: Advogado e político de 43 anos, ex-militante do Revolução Cidadã, é candidato pelo movimento Amigo.

susana.f.salvador@dn.pt

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