Espanha está perto de uma mudança de ciclo político, ou pelo menos é o que dizem as sondagens. Uma viragem à direita, apesar de não estar garantida, é o cenário mais provável na véspera das eleições antecipadas deste domingo. A situação política que atravessa o país é diferente da existente há quatro anos, quando teve lugar a anterior votação, mas não deixa de haver algumas semelhanças. Nessa altura, os espanhóis foram às urnas duas vezes (em abril e em novembro) depois de Pedro Sánchez não conseguir formar governo à primeira, sendo a força política mais votada. Na altura, as sondagens davam a vitória ao PSOE, mas nunca com maioria. A repetição eleitoral acabou com a formação de um governo de coligação, o primeiro da democracia espanhola.
Desta vez a situação é a contrária: o PP é o favorito, mas provavelmente também não vai conseguir governar sozinho. O cenário de um novo escrutínio paira na mente de alguns. “Nestas eleições temos três opções. Uma, que a bloco da direita tenha a maioria e possa formar governo, com ou sem o Vox, em função dos deputados”, começa por explicar ao DN Juan Fernández Miranda, diretor adjunto do ABC. “Outra, um governo de Sánchez, mas ia precisar do apoio de muitos partidos e conseguir o sim de todos não é fácil. E uma terceira opção é ficarmos presos, sem maioria da direita e sem apoios para formar governo à esquerda. O que levaria provavelmente a uma repetição eleitoral”, acrescenta.
Apesar do cenário de incerteza se manter, quatro anos depois os protagonistas neste puzzle não são todos os mesmos. Na esquerda, a vice-presidente do governo, Yolanda Díaz, ganha voz própria como líder do Sumar, a plataforma que junta mais de 15 forças políticas progressistas e que concorre junto com o Unidas Podemos. Um movimento que aspira a ser a terceira força política do país e decidir o rumo político do mesmo. No centro, o Ciudadanos desapareceu. O partido que esteve quase a formar governo com o PSOE começou a perder força até simplesmente decidir não concorrer neste escrutínio. Nas últimas eleições regionais, em maio passado, perdeu a sua representação em todas as Comunidades Autonómicas e quase 90% do seu poder municipal. Na direita, o Partido Popular estreia candidato a primeiro-ministro – Alberto Núñez Feijóo, eleito líder dos conservadores em março de 2022. Um político hábil e com experiência, acostumado a governar com maioria absoluta na Galiza. Mas o panorama nacional que vai ter pela frente não parece tão idílico. Para onde irão os votos do Ciudadanos? Os seguidores do Unidas Podemos concordam em se apresentar com o Sumar? Será capaz Feijóo de atrair os socialistas descontentes com o “sanchismo”? Há muitas perguntas no ar que podem definir o rumo do país.
As sondagens do Centro de Investigações Sociológicas (CIS) mostram que 9% dos votantes do PSOE em 2019 vão agora votar no PP, 7,2% no Sumar e 12,2% ainda não sabem. Das pessoas que confiaram em Sánchez há quatro anos só 64% pensa em repetir no 23J, a mais baixa fidelidade de voto dos quatro grandes partidos. “A componente nacional está a castigar Sánchez, que perde votos do centro”, afirma ao DN Carlos Cue, jornalista político do El País. “Uns mudam por causa do EH Bildu, outros pelos indultos aos políticos catalães e outros pela Lei do Consentimento”, acrescenta. O CIS é o único instituo a publicar uma sondagem em que o PSOE aparece em primeiro lugar e para governar com o Sumar precisaria de novo o apoio dos independentistas da Catalunha (ERC) e País Basco (PNV).
O papel da extrema-direita
Uma das grandes questões que mais preocupam nestas eleições é o papel que poderia ter o Vox num futuro governo. O partido da extrema-direita teve 52 deputados nas eleições de 2019, onde foi a terceira força mais votada, e ficou como segunda força da oposição. Agora, as sondagens falam de uma queda de votos, mas poderá ter um maior protagonismo caso o PP precise dele para governar. “Feijóo está muito desconfortável com o Vox. Não gosta dele, mas a questão é saber se gosta mais de ter o poder, mesmo tendo de ficar com Vox”, indica Fernández Miranda. Para ele, um acordo entre os dois partidos não representa perigo em assuntos como a ilegalização de partidos independentistas que quer a extrema-direita ou a mudança de políticas de violência doméstica. “Outra questão é controlar as pessoas que estão no Vox, um partido cheio de personagens extremistas de difícil controlo”, regista. Reconhece a existência de um espaço comum entre os dois partidos e que será muito importante “a capacidade de Feijóo de atrair Santiago Abascal para a moderação”.
Para Carlos Cue, Espanha, junto com Portugal, eram dois casos isolados de países europeus sem representação no Parlamento da extrema-direita. Em Espanha entraram em 2019, com 52 deputados, mas considera que a sua presença “não está normalizada porque os acordos entre PP e Vox marcaram esta campanha”. Sente que a entrada do Vox na política espanhola marcou uma viragem geral à direita. Por exemplo, “ninguém se tinha questionado sobre temas como a imigração”. Sublinha também o facto de o Vox estar a ativar muita gente, “demostrou ter muita força e o PP acabou por aceitar três presidentes de parlamentos autonómicos impossíveis”. Numa situação de força do PP “esta situação não seria assim”. Apesar de tudo, Cue reconhece a habilidade de Feijóo como político. “Muitos socialistas votaram nele, mas ele nunca teve de competir diretamente com a extrema-direita na Galiza”, onde esta não tem força. “Vamos ver como gere agora a situação”, sublinha. No seu entender, “um governo com o Vox não vai ser nem normal nem tranquilo porque este partido é algo nada normal nem tranquilo”.
Os votantes do Vox
Se tivermos em conta que até 2019 a extrema-direita não teve presença no Parlamento espanhol muitos analistas e muitos espanhóis se perguntam pela origem dos votantes do Vox. Nas últimas eleições confiaram neste partido 3,6 milhões de pessoas, 15% dos votantes. O diretor adjunto de ABC diferencia três perfis de eleitoras desta força política. “Um é um votante conservador, que historicamente votou no PP, desiludido com Rajoy porque depois de Zapatero não desmontou temas como a Lei da Memória ou a Lei do Aborto. É um votante zangado”, afirma Juan Fernández Miranda. Depois está o votante radical e extremista, “que é menor em número, mas maior em radicalidade, em posições extraparlamentares que se tem aproximado do Vox”, acrescenta. E em terceiro lugar os dirigentes da extrema-direita dirigem-se aos operários, mais na linha de Marine Le Pen, um perfil de votante que liga com o discurso mais duro, contra a imigração ilegal”, assinala.
Em 2019 o Vox foi o partido mais votado pelos homens jovens entre os 18 e os 24 anos. “Tem muito eco na juventude, um setor para quem é importante o fator identitário, fazer parte de um coletivo”, explica ao DN Miguel González, responsável da informação de defesa no jornal El País e autor do livro Vox S.A., onde conta as origens e evolução desta força política espanhola. “Entre o seu eleitorado encontram-se agricultores, pequenos empresários, polícias, militares, operários e mulheres”. Lembra também que o fator católico não tem muito peso neste partido.
A presencia do Vox nos governos autonómicos
Castela e Leão foi o primeiro laboratório de experimentação do Vox. O presidente Alfonso Fernández Mañueco (PP) e o vice-presidente Juan García-Gallardo (Vox) aceitaram um “casamento político” conscientes das suas diferenças. No Governo autonómico assinalam que durante o primeiro ano de coligação conseguiram implementar medidas, trabalhar com normalidade para executar o programa, e modernizar a região. O orçamento regional para 2023 está baseado na ideia de “menos impostos, mais família, mais serviços públicos” e foram resultado da unidade e do trabalho dos dois partidos. Mas também houve momentos de tensão entre ambos os partidos, como no início de ano quando o Vox apresentou um protocolo pró-vida e ameaçou sair do governo autonómico se o PP não o cumprisse. O assunto acabou por não avançar.
Depois das eleições do 28M, o Vox está presente nos governos da Extremadura, da Comunidade Valenciana e das Ilhas Baleares. “O Vox não tem uma estrutura nacional séria, nem candidatos fortes em todas as regiões”, lamenta Carlos Cue, algo que acaba por descontrolar mais um partido que “acredita que a soberania reside na nação espanhola e não no povo espanhol. É uma conceção fascista”, alerta Miguel González.
A importância de ser a terceira força
“A batalha pelo terceiro lugar vai ser muito importante”, adverte Juan Fernández Miranda. Em Espanha há 52 círculos eleitorais, alguns grandes e outros pequenos. Nos de tamanho médio a terceira força política vai conseguir um deputado, mas a quarta provavelmente não. E isso vai marcar uma grande diferença”, reflete o jornalista do ABC. Tanto Yolanda Díaz com o Sumar como Santiago Abascal com o Vox aspiram a ocupar esse terceiro lugar, até porque pode ser decisivo para formar governo, tal como aconteceu em 2019. As últimas sondagens mostram uma situação muito parecida para estes partidos tão opostos – poderiam conseguir entre 30 e 39 deputados cada.
É possível uma maioria absoluta?
Durante a campanha eleitoral Alberto Núñez Feijóo tratou de se afastar do Vox, de quem disse que “não é um bom sócio” e falou de uma difícil, mas nunca impossível, maioria absoluta. “Feijóo olha para o que aconteceu na Andaluzia. Procura este exemplo e quer que o votante do Vox mude para o PP, está a pedir o voto útil. Mas penso que isto não vai ser possível a nível nacional, onde está a Catalunha e o PP tem muita pouca representação nesta região”, explica Fernández Miranda. Para ele um bom cenário para o partido conservador seria ter, pelo menos, 150 deputados o que “poderia impedir o Vox de entrar no governo”. Se houver um governo de coligação, “seria de muito desgaste, tal como aconteceu com o PSOE e o Podemos”. Fala também dos contactos que está a haver entre o PP e os conservadores bascos do PNV, um partido que pode ajudar Feijóo mas “desde que o Vox não esteja no governo”. Carlos Cue é de outra opinião e vê como muito difícil que a extrema-direita fique fora do poder, caso ganhe este bloco político – “Feijóo é muito hábil, pensa que com 150 deputados vai conseguir governar sem o Vox mas parece-me difícil”, afirma.
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