Rebelião do grupo Wagner e a reação de Putin

O regime de Vladimir Putin esteve em risco com a ameaça de marcha sobre Moscovo por parte de Yevgeny Prigozhin.

Até ainda antes de ser anunciado um acordo com Prigozhin e o seu exílio na Bielorrússia, Putin parecia estar a controlar a situação e todas as instituições do Estado, inclusive os Serviços Secretos, condenaram a ação do líder do Grupo Wagner. Mas a tomada por um grupo de mercenários de uma cidade como Rostov-do-Don, com um milhão de habitantes, foi um abalo sério na credibilidade do Kremlin e pode ter consequências inesperadas indiretas sobre o futuro do Kremlin, resolva-se ou não totalmente de forma pacífica, pois pode haver concorrentes secretos de Putin a mexer cordelinhos.

Recordo, porém, que as tentativas de mudança do poder na Rússia nas últimas décadas falharam sempre, fosse o golpe de agosto de 1991, dos ultras do Regime Soviético contra Mikhail Gorbachev, ou a rebelião do vice-presidente Alexander Rutskoy em 1993 contra Boris Ieltsin, já depois do fim da URSS. Tudo tende a ser decidido nos bastidores, como, aliás, aconteceu com a ascensão de Putin, um ex-agente do KGB que veio de cargos menores em São Petersburgo para Moscovo em 1996, assumiu depois a chefia dos serviços secretos FSB, foi primeiro-ministro uns meses e, mesmo no final de 1999, assumiu a Presidência por demissão de Ieltsin.

Como afeta esta crise na Rússia a guerra na Ucrânia?

Afeta diretamente de três formas: o Grupo Wagner desviou os seus homens da frente ucraniana para uma operação militar na própria Rússia (mesmo que, entretanto, digam estar já de regresso), o controlo pelos mercenários de Rostov-do-Don e o sequestro dos generais que a partir daí têm tido responsabilidades na gestão da invasão da Ucrânia prejudicou, enquanto durou, o esforço de guerra, e é impossível que a mera possibilidade de uma guerra civil não afete a moral dos soldados russos que enfrentam uma contraofensiva ucraniana.

Como reagiu a Ucrânia aos acontecimentos na Rússia?

O presidente Volodymyr Zelensky veio já dizer que os acontecimentos na Rússia mostram a fraqueza do inimigo, mas isso não significa qualquer tipo de apoio à rebelião, pois o líder ucraniano não tem grandes razões para simpatizar com Prigozhin, cujos paramilitares têm estado envolvidos em algumas derrotas das suas tropas. Para Zelensky, é a divisão na Rússia, e o impacto na vontade de combater, que conta mais. Provavelmente, terá razões para acreditar em mais avanços territoriais do Exército ucraniano nos próximos dias. Há notícias de tropas ucranianas a celebrar a crise russa, o que poderá ser prematuro.

A situação na Rússia agrada ao Ocidente?

Nem Estados Unidos nem a maioria dos países europeus estão interessados no caos na Rússia, uma potência nuclear. A NATO tem armado a Ucrânia, mas impondo o território ucraniano como o único terreno de batalha, tentando prevenir uma escalada da guerra. Uma vitória da Ucrânia será uma vitória do Ocidente, mas isso não significa o desejo de uma derrota total da Rússia – seja por receio de uma ação nuclear de Putin em desespero, seja por receio de uma mudança descontrolada de regime, com gente desconhecida a poder ter acesso ao botão nuclear. Além disso, Prigozhin é tudo menos uma personagem frequentável visto das capitais ocidentais.

Mas o fim do Grupo Wagner seria uma boa notícia para americanos e europeus?

Certamente. O Grupo Wagner tem sido de grande eficácia a defender os interesses russos no Médio Oriente e na África e o seu desmantelamento por culpa de Prigozhin teria consequências. Mas não é de crer que o Kremlin não procure salvaguardar uma milícia bem treinada, sobretudo se conseguir que esta se afaste das ordens do líder, alguém de futuro duvidoso depois da revolta, daí a oferta de amnistia.

A China, vista como o grande aliado estratégico da Rússia embora não a apoiando na Ucrânia, reagiu à revolta de Prigozhin?

O silêncio é por vezes a melhor opção para Pequim, mas soube-se que já este ano a China recusou vender armas ao Grupo Wagner, destinadas a serem usadas na Ucrânia. Para a China, a estabilidade da Rússia é importante, mesmo que a sua fraqueza relativa, como a que já acontece devido às sanções ocidentais, tenha vantagens, obrigando Moscovo a ser um fiel aliado.

Alguma sugestão para perceber melhor Prigozhin e o Grupo Wagner?

O Grupo Wagner começou por ser tão secreto que a Rússia negava a sua existência mesmo quando era óbvio que, em guerras como a da Síria, os mercenários liderados por Prigozhin estavam ao seu serviço. Há muitos bons artigos na imprensa internacional sobre o grupo e foi publicado agora em português o livro Eu, Marat, Ex-comandante do Grupo Wagner – No coração do exército secreto de Vladimir Putin (Casa das Letras), que é um relato vivido por dentro e mostra bem qual o perfil dos combatentes usados por Moscovo para as missões mais difíceis no estrangeiro.

leonidio.ferreira@dn.pt

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