A imagem que existe na Europa em relação à América Latina baseia-se em quatro preconceitos que os factos não comprovam, defende um estudo do Real Instituto Elcano, de Madrid, apresentado ontem em Lisboa pelo investigador Carlos Malamud. Esses preconceitos são que a região é um desastre político, que é um fracasso económico, que a China está a substituir a União Europeia (UE) e que as empresas estão a sair. Em vésperas da cimeira entre UE e a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC), que se realiza a 17 e 18 de julho em Bruxelas, a ideia é mudar essa imagem.
“Não se trata de estabelecer uma nova narrativa de que o mundo latino-americano é idílico, que é o melhor dos mundos, mas situar as coisas no seu contexto adequado”, disse ao DN o investigador, após o evento organizado pelo Instituto para a Promoção da América Latina e Caraíbas (IPDAL) na Representação da Comissão Europeia em Portugal. Malamud, como todos os intervenientes no evento, considera a cimeira UE-CELAC como “muito importante”. Mas, alertou ao DN, “isso não significa que se devam esperar grandes resultados da cimeira. Não vai haver”.
O investigador lembra que desde 2015 que não se realizam estes encontros e que, apesar de a presidência espanhola da UE no segundo semestre deste ano ser vista como “uma nova janela de oportunidade”, os problemas que levaram, na altura, a quebrar o diálogo ainda continuam vigentes – nomeadamente a crise venezuelana. Além disso, “a América Latina é uma região muito fragmentada e é impossível encontrar os mínimos consensos na agenda regional e isso dificulta as coisas”. Da mesma forma, haverá “frustração” da parte europeia se não houver uma referência no comunicado final à invasão da Ucrânia ou se essa referência for “insípida”.
Mas o mais importante, defendeu, é “criar os mecanismos que permitam que o diálogo continue a existir depois de finalizado o semestre espanhol” e não deixar que a relação volte para a “caixa de recordações” à espera de nova oportunidade. Sendo que esta é uma relação que, citando o chefe da diplomacia europeia, Josep Borrell, se tem que “desiberizar”, no sentido de se alargar para lá dos parceiros habituais – Portugal e Espanha.
Quatro preconceitos
A nível político, a visão de que a América Latina é um desastre é “parcial e enviesada”, referiu Malamud, lembrando que o continente “não é exceção” nas tendências globais e que a democracia se consolidou em praticamente toda a região – onde 68% dos eleitores se definem como sendo de centro, centro-esquerda ou centro-direita. “Os retrocessos dos últimos anos são mais conjunturais do que estruturais e podem reverter-se caso se produzam mudanças no contexto global ou se a economia da região retomar o crescimento”, indicou.
A nível económico, também não é verdade que a região seja um fracasso, como parece pensar-se na UE. Pode não ter feiro avanços na convergência com os níveis de rendimento per capita dos países desenvolvidos, mas isso também não aconteceu com a maioria dos países emergentes. Mais, devido a uma maior estabilidade macroeconómica, “passou de ser protagonista – uma de cada três crises globais teve lugar na região entre 1974 e 2003 – a ser ator secundário: só uma de cada seis crises globais teve origem na América Latina”.
Quanto à ideia de que a UE e os EUA abandonaram a região e o seu lugar está a ser ocupado pela China, também precisa ser revista. Não só os EUA são fulcrais para os países da América do Norte para lá dos laços comerciais – em matéria de vínculos militares e humanos -, como o Sul é “mais europeu”. A UE, ao contrário da China que só compra recursos naturais e vende produtos manufaturados, é um importante mercado de destino das exportações de alta tecnologia sul-americanas – daí ser importante para a estratégia de reindustrialização da região. E é o maior inversor – 20 vezes mais do que a China.
Quanto à ideia de que as empresas espanholas estão a sair da América Latina, os números também não o provam. Entre 2007 e 2020, de cada cem euros investidos, 30 foram para a América Latina e 55 para os EUA e outros países desenvolvidos fora da UE. E o dinheiro investido continua a dar rendimentos superiores à média do investido em países desenvolvidos.
Matéria do DN por susana.f.salvador@dn.pt