A odisseia eleitoral começou com sabor amargo depois de no primeiro turno, a 14 de maio, Recep Tayyip Erdogan não ter conseguido, pela primeira vez, os 50% dos votos necessários para evitar um segundo teste – no qual confrontou o principal opositor Kemal Kiliçdaroglu.
Duas semanas após o desastre no primeiro turno, o presidente provou que o poder que detém há mais de 20 anos está blindado, ao obter, segundo o Supremo Conselho Eleitoral, 52,1% dos votos, garantindo um terceiro ciclo nos comandos de Ancara.
“Concluímos a segunda volta com a vontade do nosso povo a prevalecer. A vossa vontade tornou-se o poder indomável e imaculado da Turquia nas urnas”, declarou o presidente perante os apoiantes, em Istambul, enquanto ainda decorria a contagem dos votos. “Com a vontade de Deus, vamos continuar a merecer a vossa confiança”, acrescentou.
Pouco tempo depois, foi a vez de Kiliçdaroglu falar ao país. O candidato do Partido Republicano do Povo (CHP) lamentou o resultado, que considera ser injusto e antidemocrático. “Todos os meios foram mobilizados para um partido político e colocados aos pés de um homem”, atirou. O veterano de 74 anos comprometeu-se ainda a lutar “sempre pela justiça”, sem nunca referir a palavra “derrota”.
Irregularidades nas urnas
Numa altura em que as urnas ainda estavam abertas, o vice-presidente do CHP, Ozgur Ozel, denunciou problemas durante as votações, relatando casos em que ocorreram ataques físicos contra observadores eleitorais, depois destes terem detectado alegadas irregularidades. O antigo primeiro-ministro Ahmet Davutoglu também referiu, nas redes sociais, estar a receber informações sobre votos de pessoas não registadas.
Mas as alegações não ficaram sem resposta. Omer Çelik, porta-voz do Partido da Justiça e Desenvolvimento (AKP) de Erdogan, defendeu que as declarações não passaram de uma forma dos opositores políticos justificarem o fracasso eleitoral.
Tal como aconteceu na primeira volta das eleições, mais de 400 mil voluntários turcos e observadores internacionais marcaram presença nas 193 mil assembleias de voto, de modo a garantir que nenhuma operação de adulteração acontecesse. No entanto, após ter votado em Istambul, Erdogan foi visto a dar dinheiro às pessoas que encontrava na rua.
O fiel do Islão, que aos 69 conseguiu superar a maior aliança – a “Mesa dos Seis” – que se atravessou no seu caminho político, é visto como uma espécie de herói nas zonas mais pobres e rurais da fraturada sociedade turca – nas quais também conseguiu captar a maior parte dos votos, o que pode ser explicado pelas recentes benesses económicas.
Já Kiliçdaroglu teve um melhor desempenho na Trácia turca, nas regiões junto à costa do Mediterrâneo, bem como nas três principais cidades da Turquia, o que inclui Istambul.
A vitória de Erdogan já era esperada, sobretudo depois de Sinan Ogan, candidato nacionalista que na primeira volta ficou em terceiro lugar, ter apoiado o presidente, impulsionando o seu eleitorado a reforçar a preponderância do líder. Por outro lado, o facto de Kiliçdaroglu ter extremado o discurso relativamente aos migrantes pode ter automutilado a campanha.
Como prioridades até 2028, Erdogan deverá ter a luta contra a inflação, as relações no seio da OTAN e a eventual aceitação da adesão da Suécia, a reconstrução pós-sismos e a necessidade de relançar os laços coma a Síria. Ainda assim, espera-se que o tema dos refugiados continue a gerar controvérsia.
Fonte: jn.pt