Dados genéticos revelam animal que estaria na origem do vírus da covid-19

Um animal selvagem parente do cão parece ser a melhor hipótese para a teoria da transmissão animal da covid-19 para os humanos.

Dados de uma nova investigação do DNA recolhido no mercado de Wuhan, na China, no início do ano de 2020, quando a ainda desconhecida doença começava a espalhar-se, estabelecem uma relação entre a SAR-CoV-2 e o cão-guaxinim, vendido para consumo humano em mercados chineses.

É mais uma volta no carrossel das teorias e emoções à volta da ciência na descoberta da origem da pior pandemia dos últimos 100 anos, que matou milhões de pessoas em todo o mundo, mais de 26 mil em Portugal.

Uma investigação liderada por Florence Debarre, investigadora principal do Instituto de Ecologia e Ciências Ambientais de Paris, na França, encontrou uma ligação entre a covid-19 e um animal originário do Japão, mas espalhado por toda a Ásia e até na Europa de Leste, o cão-guaxinim, também conhecido pelo nome nipônico tanuki.

Debarre, que confessa ter vivido obcecada com a origem do vírus da covid-19, encontrou uma base de dados genéticos dos animais à venda no Mercado de Animais Vivos de Wuhan, na China, onde a epidemia foi notada primeiro, ainda nos últimos meses de 2019. Nos primeiros dias de 2020, quando a doença, ainda desconhecida, se alastrava naquela cidade, o Centro de Controle de Doenças (CDC) chinês recolheu amostras de ADN naquele mercado. Os dados foram colocados online, em janeiro, na base de códigos genéticos GISAID, na qual os cientistas partilham esta informação, um procedimento obrigatório para validar o resultado de investigações.

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“Os dados têm três anos – é um escândalo absoluto que tenha demorado tanto tempo para ver a luz do dia”, disse Eddie Holmes, da Universidade de Sydney, na Austrália, que também esteve envolvido na investigação. “Temos de ir além da política e voltar à ciência pura”, acrescentou, citado pelo canal britânico BBC.

Indiferente ao processo, a equipe de Debarre acedeu à base de dados e procurou perceber que espécies de animais coincidiam com as amostras de vírus no mercado de Wuhan. “Vimos os resultados a aparecer nos ecrãs e era só: cão-guaxinim, cão-guaxinim, cão-guaxinim, cão-guaxinim”, recorda a investigadora, em declarações ao programa “Ciência em Ação”, da BBC. “Encontramos vírus e animais juntos”, argumentou. “Isso não prova que os animais foram infectados, mas essa é a interpretação mais plausível do que vimos”, acrescentou.

Eddie Holmes, da Universidade de Sydney, acredita que esta “é a melhor evidência” que a ciência poderá vir a ter sobre a origem animal do vírus. “Nunca encontraremos o intermediário – morreu”, disse, também à BBC. “Mas é extraordinário que os dados genéticos tenham encontrado esses fantasmas – e dizem-nos que espécies estavam lá e exatamente onde estavam no mercado.”

Ao colocar amostras de vírus e de animais contaminados no mesmo espaço e tempo, a investigação dá mais visibilidade à teoria da transmissão de um animal para seres humanos. O surto começou no mercado”, disse Holmes. “E agora podemos ver o porquê – os principais animais estão lá”, acrescentou o investigador australiano

“Não começou em torno do laboratório, que fica a 30 quilômetros de distância. E não há um único dado que mostre os primeiros casos em laboratório”, acrescentou Holmes. Declaração que desvia o foco da teoria norte-americana apresentada recentemente pelo FBI, que considera como cenário “mais provável” do surto uma fuga de material genético do laboratório de virologia de Wuhan.

“Há algum tempo que o FBI avalia um possível incidente no laboratório de Wuhan como a origem da pandemia”, disse diretor do FBI, Christopher Wray. Nas declarações ao canal de televisão “Fox News”, em 1 de março, acusou o governo chinês de “fazer o possível para tentar frustrar e ofuscar” os esforços dos EUA e de outros países para aprender mais sobre as origens da pandemia.

As declarações de Wray surgiram após uma notícia do jornal norte-americano “The Wall Street Journal”, alegando que o Departamento de Energia dos EUA concluíra, ainda que com baixa confiança, que a pandemia resultou de uma fuga não intencional de um laboratório na China.

Em 2021, uma investigação conjunta entre a China e a Organização Mundial da Saúde (OMS) considerou a teoria da fuga do laboratório “extremamente improvável”. O relatório concluiu que a doença provavelmente passou de morcegos para humanos, e que não havia provas que sugerissem a origem num laboratório.

A pesquisa foi profundamente criticada e o diretor-geral da OMS pediu uma nova investigação. Um ano depois, aquela organização recomendou uma investigação aprofundada sobre a hipótese de a covid-19 ter tido origem num acidente de laboratório.

Alguns dos principais membros da OMS ficaram frustrados com a China durante o surto inicial. Também pela forma como a China procurou restringir a pesquisa sobre as origens da pandemia.

Numa conferência de imprensa em 17 de março, Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da OMS, disse que “todos os dados” são importantes para nos aproximar da resposta à grande questão sobre a origem do vírus. “E todos os dados relacionados com o estudo das origens da covid-19 precisam ser compartilhados com a comunidade internacional imediatamente”, acrescentou.

Não é claro se Tedros estava criticando a postura da China. É que os dados que levaram a esta conclusão foram colocados no GISAID em janeiro, de forma discreta, sem que ninguém se apercebesse. Foram descobertos três meses depois e usados no estudo da equipe de Debarre, mas assim que os chineses se aperceberam que tinham sido descarregados, voltaram a retirá-los do sistema internacional.

O vírus foi identificado pela primeira vez em Wuhan em dezembro de 2019 antes de se espalhar pelo mundo, infectando 675 milhões de pessoas – quase sete milhões morreram. Em Portugal, ficaram infectadas 5,5 milhões de pessoas e morreram mais de 26 mil.

Identificar a fonte da doença pode levar anos. Demorou mais de uma década para os cientistas identificarem as espécies de morcegos que serviram como reservatório natural da síndrome respiratória aguda grave (SARS), um outro coronavírus, detectado no sul da China, no final de 2002.

Fonte: jn.pt
Foto: Hector RETAMAL/AFP

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