O uso de xarope contaminado está associado à morte de cerca de 200 crianças na Indonésia, em 2022. O remédio, fabricado por oito farmacêuticas asiáticas, será também responsável pela morte de mais 100 pessoas em países como o Uzbequistão e a Gâmbia, em África.
Esta semana, a Indonésia autorizou a abertura de processos contra o Governo e as farmacêuticas que produziram os xaropes fatais. “A luta da minha filha não foi em vão”, desabafou Nur Asiah, mãe de uma menina de quatro anos que sucumbiu ao remédio adulterado.
A família de Asiah é uma das 24 proponentes de um processo judicial contra o governo da Indonésia e oito farmacêuticas, acusadas de produzir um xarope adulterado. “Não sabia que estava a dar veneno à minha filha”, disse Nur Asiah, em declarações à sucursal da BBC na Indonésia. A menina, Nasya, de quatro anos, ficou muito doente com o medicamento e morreu três semanas depois no hospital.
As vítimas tinham quase todas menos de cinco anos. As famílias indonésias pedem cerca de 190 mil euros de indenização pela morte de cada criança e 130 mil pelas que ficaram doentes. “Não há dinheiro que compense a minha perda. Não me vai trazer a minha filha de volta”, disse Asiah, que poderá ter a companhia de outras famílias no tribunal. Além das 24 que iniciaram o processo, outras podem juntar-se, revelou o advogado destes familiares.
Enquanto continua a investigação, a Organização Mundial de Saúde (OMS) desaconselha o uso de seis xaropes da tosse provenientes da Índia e da Indonésia. A 29 de dezembro, as autoridades indianas suspenderam a produção da Marion Biotech, uma empresa farmacêutica em Noida, nos arredores de Nova Deli, acusado pelo Uzbequistão de fabricar um dos xaropes responsáveis pela morte de pelo menos 20 crianças naquele país asiático da ex-URSS.
Além da Marion Biotech há outra empresa da Índia na lista das fabricantes dos xaropes contaminados. “Esperávamos uma resposta muito mais rápida das autoridades indianas”, disse uma fonte da OMS. “É um cenário de pesadelo. Se não formos ao fundo disso, pode aparecer novamente mais tarde”, acrescentou, em declarações ao jornal britânico “The Telegraph”.
As autoridades indonésias descobriram que as empresas de produtos químicos usaram solventes industriais – etilenoglicol (EG) e dietilenoglicol (DEG) – para o xarope, durante uma crise de solventes para fármacos. Estas duas substâncias são usadas normalmente em soluções para frigoríficos ou aparelhos de ar condicionado e são consideradas um subproduto do propileno glicol, a principal substância dos xaropes da tosse, segundo explicou Chaitanya Kumar Koduri, diretor da USP, uma organização não-governamental que ajuda a estabelecer os padrões dos medicamentos.
Em declarações à agência Reuters, Koduri explicou que ambas as substâncias são similares. O propileno glicol não é tóxico, enquanto o etilenoglicol e o dietilenoglicol podem ser muito prejudiciais para a saúde dos seres humanos, particularmente nas crianças. No passado, recordou aquele responsável, a indústria farmacêutica já usou propileno glicol em quantidades industriais ou até DEG e EG puros como substitutos, por serem mais baratos. Há registos de mortes associadas a xarope da tosse adulterado no Haiti (cerca de 90) e no Bangladesh (200), no fim do século passado. Em 2006, pelo menos 365 pessoas morreram no Panamá pelas mesas causas.
Os químicos aparentemente utilizados – etilenoglicol e dietilenoglicol – são tóxicos mesmo em quantidades pequenas. Causam dores abdominais, dores de cabeça, vómitos e diarreias. “Este tipo de sintomas pode ser desvalorizado, especialmente em países menos desenvolvidos, onde são ocorrências comuns nas crianças”, observou Penny Ward, professora de medicina farmacológica no Colégio de Londres. Quando as falências renais foram detetadas, “era demasiado tarde” para a maioria das crianças, acrescentou.
“Tentamos o nosso melhor para descobrir as causas o mais depressa possível, trocando informações com outros países, com a OMS, e comprando antídotos para tratar as substâncias tóxicas”, disse um porta-voz do Ministério da Saúde da Indonésia, admitindo a contaminação na cadeia de produção.
“Honestamente, as companhias farmacêuticas também são vítimas aqui, vítimas de um crime cometido pelos fornecedores de matérias-primas”, disse à BBC o advogado de uma das empreses fabricantes de xarope, a “PT Universal Pharmaceutical Industries”. A empresa diz que usa as mesmas regras de sempre da Autoridade de Drogas e Alimentação (FDA, na sigla em inglês), o equivalente ao Infarmed em Portugal, e que comprou os ingredientes para o xarope em revendedores autorizados pela FDA.
“Não é correto que a responsabilidade seja toda colocada em cima da indústria farmacêutica”, disse um advogado da “PT Afi FArma”, cujo xarope foi usado pela maioria das crianças vítimas. Em declarações à BBC, que tentou ouvir as outras empresas envolvidas, aquele representante legal considera que o governo indonésio também deve ser responsabilizado pela morte das crianças.
Fonte: jn.pt