Seis mil crianças ucranianas enviadas para a Rússia para reeducação política

A transferência de crianças ucranianas para a Rússia visa incutir-lhe uma visão pró-Moscow e até treino militar, segundo um relatório que estima em mais de seis mil os menores colocados em 43 campos de reeducação ou orfanatos.

Segundo o relatório Programa Sistemático da Rússia para a Reeducação e Adoção de Crianças da Ucrânia, lançado em fevereiro pelo Laboratório de Pesquisa Humanitária da Escola de Saúde Pública de Yale (HRL), o estudo introduz “provas que indicam possíveis violações do direito internacional” e descobertas de que a maioria dos campos está envolvida “em esforços de reeducação pró-Rússia” e alguns forneceram inclusive “treino militar para crianças”, ou suspenderam a entrega aos seus pais na Ucrânia.

Produzido como parte do Observatório de Conflitos, afirma o relatório, alguns dos centros são acampamentos de verão pré-existentes localizados junto ao Mar Negro, na Crimeia anexada e na Rússia continental, incluindo Moscovo, onze dos quais a mais de 800 quilómetros da fronteira da Ucrânia, dois na longínqua Sibéria, e um no extremo oriente do país.

“O objetivo principal dos campos parece ser a reeducação política”, em que pelo menos 32 (78%) dos campos usam “esforços sistemáticos de reeducação que expõem crianças da Ucrânia a atividades académicas, culturais, patrióticas e culturais centradas na Rússia e/ou educação militar”, com vista a integrá-las na visão do Governo russo sobre a cultura nacional, história e sociedade.

A Yale HRL identificou pelo menos dois campos que abrigavam crianças supostamente órfãs e que mais tarde foram colocadas em famílias adotivas na Rússia. Vinte crianças foram entregues a famílias na província de Moscovo e matriculadas em escolas locais.

No relatório, uma palavra-chave é a coação junto dos pais para que as crianças sejam transferidas, incluindo assinaturas por procuração, noutros casos houve alegações de violação de prazos de permanência e procedimentos para o reencontro com os filhos, e as recusas de progenitores foram basicamente ignoradas.

“Em muitos casos, a capacidade dos pais de fornecer consentimento significativo pode ser considerada duvidosa, pois as condições de guerra e a ameaça implícita das forças de ocupação representam condições de coação”, destaca o documento.

O retorno de crianças de pelo menos quatro campos foi suspenso ou estão detidas após a data prevista, prossegue o documento, havendo pais que também descreveram que não conseguiram obter informações sobre o estado ou o paradeiro dos seus filhos.

Apesar de apontar seis mil crianças transferidas, o relatório admite que o número pode ser bastante maior, sendo incerto quantas foram devolvidas, numa operação iniciada logo após a invasão da Ucrânia em 24 de fevereiro do ano passado, em que “todos os níveis do governo da Rússia estão envolvidos” e coordenada centralmente por Moscow.

Para chegar a estas conclusões, a Yale HRL usou a agregação e verificação cruzada de várias fontes para entender o sistema de realocações, centros, reeducação, adoções e lares adotivos, incluindo redes sociais, anúncios e publicações do governo e reportagens nos locais, além da geolocalização de instalações através de fotografias, vídeos e descrições de crianças da Ucrânia no local e das suas experiências, bem como dos pais, e ainda imagens de satélite de alta resolução.

Além da transferência e da criação de centros de reeducação, as crianças ucranianas começam a fazer parte também da propaganda russa.

Num comício recente para celebrar o exército, num estádio em Moscovo, uma criança ucraniana de 13 anos, que vivia em Mariupol, cidade tomada pelas tropas da Rússia há cerca de um ano, surgiu em lágrimas em palco, agradecendo ter sido salva pelas forças ocupantes.

A estação CNN Internacional procurou saber mais sobre a história de Anna Naumenko, ou simplesmente, Anya, que perdeu a mãe no cerco de Mariupol, falando com uma amiga, com a qual partilhou refúgio num abrigo subterrâneo durante três meses e que questiona as condições de segurança em que ela estará viver, depois de ter sido entregue a uma família de acolhimento, e sugerindo que foi vítima de coação.

“Tive medo de ver aquilo. Não podem usar crianças deste modo”, comentou Katerina Pustovit, que vive agora na Alemanha.

Fonte: jn.pt
Foto: Sabine COLPART / AFP

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