Nesta reportagem, feita por Flávio Clark (foto principal do repórter fotográfico Antônio Gonçalves), você vai ver Palmas sob a ótica de quem fez os primeiros rascunhos do Plano Diretor Urbanístico e Arquitetônico da cidade, projetada exclusivamente para ser a capital do Tocantins, o centro das decisões e a sede dos três poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário. Walfredo Antunes, entre um cafezinho e um cigarrinho de palha, fala do início, como tudo começou em termos de planejamento arquitetônico, viário, sustentável, habitacional e urbanístico de Palmas. Vale apena ler
REDE JOVEM NEWS – Trinta e quatro anos se passaram desde que o senhor se debruçou sobre uma prancheta para “desenhar” o Plano Diretor Urbanístico de Palmas, uma cidade que caminha para ter 350 mil habitantes e avança para a verticalização. Se o senhor pudesse voltar no tempo, o que faria diferente? Algum arrependimento?
WALFREDO ANTUNES – Primeiramente, é preciso que se registre que o desenho do Plano Urbanístico de Palmas não foi obra de uma só pessoa. O Arquiteto Luiz Fernando Cruvinel Teixeira foi meu parceiro na coordenação de uma equipe de profissionais que trabalhou para a concepção desse Plano. Quanto às condições da atualidade, quando se fala em verticalização, ela está proposta no Plano, porque, para atingir a densidade, que nós chamamos de econômica, mais conveniente, de melhor custo-benefício, todas as quadras deveriam ter os três tipos de ocupação: residências individuais, edifícios para habitação coletiva e também edifícios altos, que agora, mais recentemente, com a ajuda do urbanista Jaime Lerner (falecido há pouco tempo), nós até alteramos para a parte sudoeste da cidade [sugerindo] uma proposta para que os edifícios altos ficassem ou fiquem nos cantos das quadras, permitindo, assim, uma “leitura” mais fácil da cidade.
O Plano Diretor está cumprido na sua integralidade; as características principais foram mantidas, alguns detalhes que não foram seguidos, por exemplo: nós propusemos grandes áreas para escolas secundárias ao longo da Avenida Teotônio Segurado, com [amplos] estacionamentos pela frente e acessos pelos fundos; mas, em relação a isso, o governo entendeu que naquela localização da cidade os lotes eram mais vendáveis e acabou não sendo feito. E hoje nós temos problemas com escolas grandes, como é o caso do Marista, da Ulbra e outras, em lugares que deveriam ser residências. Isso causa algum tumulto, mas não chegou a comprometer, grandemente, o funcionamento do conjunto da cidade. Também seria preciso observar, desde o início, a localização tanto de igrejas como de outros “equipamentos”, que geram um grande afluxo de pessoas. Isso deveria ser pensado, inclusive com a gestão, para ser exigido desses tipos de atividades que propiciassem seus próprios estacionamentos. Isso é uma coisa que ainda pode ser feita e que poderia ajudar na fluidez do trânsito e do tráfego junto desse tipo de atividade.
REDE JOVEM NEWS – Dentre milhares de arquitetos do Brasil inteiro, coube ao senhor e a Luiz Fernando Cruvinel Teixeira a responsabilidade de elaborar e conduzir esse projeto extraordinário. Como o senhor se sente? Esse é o maior e mais importante projeto da sua vida?
WALFREDO ANTUNES – É preciso dizer que, além de já ter trabalho com planejamento urbano no então Estado de Goiás, eu, particularmente, tinha uma relação mais próxima com o Deputado Siqueira Campos, à época, e, é claro, ademais os aspectos técnicos envolvidos na escolha do local e no traçado da cidade, em todo esse trabalho a participação do já Governador Siqueira Campos foi fundamental; ele tinha ideias muito próprias, de coisas avançadas, aceitou as ideias do projeto muito bem, contribuiu em todo esse trabalho. Agora, nós já tínhamos essa experiência tanto de conhecimento da realidade do estado, da rede urbana, como também certa proximidade com o Governador Siqueira Campos.
É claro que há uma parte técnica do trabalho, propositura técnica, que nós tivemos a iniciativa, que foi aceita por ele [Siqueira Campos] e outros componentes do governo. E há também a parte das exigências, das demandas que ele fazia, de uma cidade com características ecológicas, avenidas largas, onde o tráfego pudesse fluir, e a simbiose dessa relação resultou no projeto como ele está até hoje.
Foto: Flávio Clark
REDE JOVEM NEWS – É comum para pessoas que não conheçam a dinâmica das rotatórias tecer críticas e solicitar mudanças, talvez até pelo desconhecimento do drama de Belo Horizonte, um tabuleiro de cruzamentos com semáforos. O que dizer aos críticos das rotatórias? Passa pela sua cabeça qualquer mudança de modelo?
WALFREDO ANTUNES – De maneira alguma! As rotatórias são universalmente conhecidas como facilitadoras do tráfego. O uso de semáforos acaba exigindo muito mais paradas [dos motoristas] por muito mais tempo. O fluxo direto nas rotatórias elimina 32 possíveis intercessões de tráfego para pouco mais de 14 ou 16. A fluidez da rotatória é conhecida como facilitadora do trânsito e do tráfego. Não há por que mudar aquilo que coloca a fluidez do tráfego em Palmas como uma das mais convenientes em termos das cidades atuais.
REDE JOVEM NEWS – Ainda sobre o mapa viário de Palmas, existe uma demanda de condutores de veículos, que reivindicam o encurtamento entre uma e outra rotatórias, nas avenidas LOs, sugerindo a construção de retornos, com o objetivo de descongestionar o fluxo de veículos nas rotatórias. Essa mudança alteraria o plano viário original. O senhor acha isso viável ou necessário?
WALFREDO ANTUNES – Eu acho que como já estão feitos na contiguidade da Avenida Teotônio Segurado, esses retornos devem ser permitidos, e eles são benéficos. Não precisa acontecer em toda a malha viária, mas os retornos e as manobras de retornos nas vias transversais em relação à Avenida Teotônio Segurado são mais problemáticos; nesse caso, a construção desse tipo de retorno é aceitável e é benéfica.
REDE JOVEM NEWS – Temos uma grande referência em relação a Brasília. Talvez pela omissão ou ausência do poder público, não tendo exercido o seu papel, o entorno de Brasília tornou-se o grande e complexo problema da capital federal. Existem mais de 2 mil condomínios aguardando por regularização. Como evitar que a força do mercado imobiliário transforme Palmas em refém dessa ocupação irregular das áreas do nosso entorno?
WALFREDO ANTUNES – Isso não é problema de projeto, isso é problema de gestão. O projeto original previa área de expansão, que deveria ser reprogramada, ou continuar sendo projetada com as características principais do plano. Infelizmente, a falta de fiscalização e a leniência de seguidas administrações municipais permitiram os loteamentos irregulares ao norte e ao sul da cidade, em toda parte. Eu repito, é um problema de gestão. Nós chegamos a propor certa vez, quando já existiam 154 loteamentos irregulares, uma espécie de traçado que pudesse abrigá-los de uma forma mais conveniente. Mas isso não teve prosseguimento dentro da gestão da prefeitura. Enfim, cuidar de loteamentos que não são feitos de forma regular é problema da administração que estiver ocorrendo no município.
REDE JOVEM NEWS – A questão que envolve o endereçamento de Palmas acabou judicializada. Qual a sua opinião e qual a melhor solução para o caso?
WALFREDO ANTUNES – Aquilo que se chama de nomenclatura original foi retirado. Nós tínhamos feito algumas propostas de nomenclatura que não foram aceitas pelo então Governador Siqueira Campos. Aquelas indicações foram retiradas do registro imobiliário dos imóveis; elas correspondem aos registros que são matérias de trabalho dos cartórios imobiliários. Houve um tempo em que foi pedida alteração dessa nomenclatura; nós propusemos um endereçamento mais conciso. Quando entra a nomenclatura, por exemplo, 208 Sul, alameda tal, número tal, casa número tal, isso vem convivendo, de uma ou de outra maneira em Palmas, até que se chegou ao um ponto (me parece que no ano passado) em que houve uma propositura da Câmara [Municipal] para voltar ao endereçamento original, que, eu repito, é cartorial e mais complicado. Eu cheguei a propor um projeto de sinalização para o município, em que estivessem presentes as duas nomenclaturas; essa sinalização faz falta à cidade, tanto para uma nomenclatura quanto para outra, e não foi feito até agora. Eu penso, ainda, que, doravante, pode-se escolher aquela que se entender mais conveniente; mas, como a outra nomenclatura já está presente no dia a dia do cidadão, talvez fosse o caso de fazer indicações que contivessem as duas informações.
REDE JOVEM NEWS – Na proposta original, os dois lados do rio, ou do lago, seriam integrantes de Palmas. Ocorreram problemas de natureza política que culminaram com a anexação de Taquaruçu à área da capital. Restou Luzimangues, um pedaço de Porto Nacional, mas que tem Palmas como sua matriz de empregos, saúde, serviços etc. Na sua opinião, Luzimangues já deveria ser emancipada? Qual a sua opinião em relação ao futuro de Luzimangues?
WALFREDO ANTUNES – Está evidente que o poder de gestão municipal de Palmas não permite administrar uma situação que, como está dito, hoje é evidente, é conhecida. Luzimangues, praticamente atravessando-se o rio [Tocantins], faz parte do conjunto urbano de Palmas. Com ou sem independência de Luzimangues, ou qualquer outro tipo de medida administrativa, quem deve interferir sobre isso é o estado. O estado tem poderes para tentar propor uma gestão conjunta de Luzimangues [Porto Nacional] e Palmas, e até algum tipo de disciplinamento da ocupação de Luzimangues. Nesse sentido, o estado tem falhado em olhar para esse problema com a devida atenção.
Foto: Governo do Tocantins